Acampamento

FILHO: saiu o novo GTA. Me explica como é que eu fico um fim de semana inteiro socado no mato comendo macarrão com atum, olhando pras árvores e ouvindo lição de moral do meu pai. Inferno de ideia. Se pudesse trazer o videogame, beleza, mas nem energia tem nesse fim de mundo. Sábado de manhã, no caminho, comecei. Aquela cara amuada, pálpebras pesadas, olhar perdido. Cansado, nada de movimentos bruscos. A quentura da febre não dá pra fingir, o resto dá. Daí o pregão diz que tá preocupado com minhas notas, que tá pensando em bloquear o videogame. Melhoro na hora. Foda, viu?

PAI: moleque atentado. Acha que vai se safar assim fácil. Tem que melhorar muito pra convencer. Vai é ficar pianinho, vê se vou aturar brincadeira. O Marcão riu da minha cara. Disse que planejaram a pescaria o ano inteiro. Liberou a fazenda pra gente fazer camping numa boa. Devem tá na chalana agora, tomando todas, jogando caxeta, contando piada. Mas não transparece, homem. Não dá bola fora. A Sônia tá planejando isso há um tempão. Ri, faz o fogo, fica manso. Pensa no peixe que cê vai comer, não no que deixou de pescar.

FILHA: mas é besta esse Rodrigo. Acha que fingir de doente é assim fácil. Tem que fazer teatro. Vomitar. Olha eu. Esperei um mosquito me picar, crescer a bolinha. Meti o dedo na goela atrás da cabana. O barulho atraiu todo mundo. Eu disse que era dengue e minha mãe foi no carro buscar a maldita caixinha de remédios. Bosta. Nunca esquece, tem cura pra tudo ali dentro. Dois comprimidos, uma canja e a ameaça da injeção me convencem a desistir da festa de sábado à noite. O Paulo vai tá lá. Me mandou mensagem no Face perguntando se eu ia. Fui deixar pra responder aqui. Mas quem disse que o celular pega?

MÃE: não é a mesma coisa, nem chega perto. Pra começo de conversa, quando era só eu e o Rogério ele tinha vontade de ficar comigo. Acampar era uma maravilha, um baseadinho, vinho, putaria a noite toda. Agora nem o vinho. Acha que eu não sei que tá pensando na pescaria. E a molecada hoje não dá, viu. Essa dependência de tecnologia. Não valorizam o ar puro, esse cheiro gostoso de mato, o tempinho que a gente tira pra relaxar, ficar longe de tudo. Aí querem me tapear como se eu já não tivesse sido criança. Não quero saber. Vamos ficar até domingo. A Rebeca longe dos amigos beberrões e amigas assanhadas, o Rodrigo longe da TV, o Rogério da putaria que é aquela chalana. Família é isso, tem que bater o pé. Mas domingo no almoço a ansiedade dos três pra ir embora atinge o limite. Não tenho estômago pra tanta cara feia. Vamos de uma vez. Mas antes uma foto. O Rogério encaixa o celular na árvore, aperta o timer, vem correndo. Chega bem a tempo do clique.

FOTO NO FACEBOOK: 134 curtidas. 27 comentários (família linda, comida boa, nem chama, fds rox, #campingdaalegria, geral natureba e variantes). 3 compartilhamentos.