Almoço e sobremesa no Spiramo

Já falou com ela, Biriba? Já disse que vai chegar chegando?

Calma, Boca. Eu gosto de falar em cima da hora. Eu gosto de saber que ela tá mandando um puto qualquer pra casa, nem que seja no meio do serviço, que tá se arrumando todinha pra mim e que quando eu chegar ainda vai tá geladinha do chuveiro, cheirosinha, tchutchuquinha.

Boca acena pro garçom. Ele se aproxima, serve outra dose de conhaque.

Por mim almoçava no Spiramo todo dia. Tô em Brasília há duas semanas e tô com dó de só ter comido aqui cinco vezes. Podiam marcar todas as reuniões aqui.

Não. Aí estraga. Isso é um refúgio, Boca. Já viu aquele bando de gente reunida ali na frente?

Vi sim.

Fica dando trela não, nem olha. É o pessoal das reservas. Tá vendo algum índio ali? Não tinha que ter índio ali? Um cocar que seja? Cadê a coerência? Não sei como não começaram a gritar ainda. Logo chegam as equipes de TV. A gente pede um táxi, saímos pela entrada dos funcionários. Peço pro motorista levar o carro de volta só quando o povo dispersar, não quero problema.

A votação desse negócio das reservas indígenas é amanhã?

Segunda-feira, Boca. Tá perdido? Semana que vem.

Tá pesando a relatoria?

Peso nenhum. Que deputado vai peitar o ministro? Quero dizer, dos que se arriscariam. Ele tá completamente investido nisso, vou nadar de braçada. A oposição vai fazer o trabalhinho de praxe, um grito aqui, outro acolá, mas o grosso não vai perder o trem, isso já é certo.

O Montes ainda não sentou pra conversar com o meu partido, Boca. Quero desenrolar aquela isenção pra produtor pequeno em Mato Grosso, ver se ele pode ter algum peso, aproveitar a viagem pra lá no fim do mês, fazer um endosso com nossos estaduais lá na Assembleia.

Que Montes o quê, Boca. Tu tem é que convencer o Gordo. Líder do governo não tá pesando nada, tá desnutrido, quem pesa hoje é o presidente da Câmara. É ele quem tem canal do Executivo, liberação de emenda. Caramba, tu tá pedalando ainda, ein, filho.

Vivendo e aprendendo.

Pelo menos é humilde. Olha aí. Tá ouvindo? Começaram a gritar. Povo não tem o que fazer, né, convenhamos, pleno almoço de terça, esse solão na cabeça, e tudo ali tostando a bunda no asfalto.

Boca acena pro garçom. Um cheesecake de morango, por favor.

E o senhor vai querer algo?

Não, brigado. Tô de dieta, viu, Boca. Esse docinho depois do almoço tá no meu cardápio mais não.

Biriba, meu pai tem diabetes, minha mãe tinha também. Minha glicemia sempre foi baixa. Eu como doce, não como muito, mas como sempre. Acho que é isso que ajuda a controlar. Tem um pessoal que enfia o pé. Aí assusta. De levinho é que cê ganha o jogo.

Tem nada de levinho nessa pança aí. Bom cuidar, que quando tu chegar na minha idade ou tá morto ou tá tomando cartelada de remédio toda manhã com o café.

Saúde aqui é de ferro.

O garçom volta com o cheesecake. Pedem a conta.

Dá licença que vou ligar aqui pra ela enquanto cê come, Boca. Oi. Oi, coração. Como é que cê tá, minha linda? É, é? Que bom. Escuta. Tem um horáriozinho pra mim? Tô com a agenda apertada essa tarde mas consigo passar aí em quinze minutos. É? Não, não sei. Me conta. Meu pai do céu. A de rendinha? Claro. Claro. Daqui a pouquinho eu tô chegando. Não vai me deixar esperando na porta, viu. Vou sim. Beijo, coração.

Você arrisca demais, Biriba. Se eu saio dum almoço desse prum rala eu tenho um troço.

É o cheesecake, Boca. Saber dosar. Uma tacinha a menos, corta a sobremesa, economiza na entrada. Aí sobra espaço pro resto. De levinho é que cê ganha o jogo, não é?

Acena pro gerente.

Ronaldo, a gente vai sair pelo fundo hoje, viu. Juntou torcida organizada aí na frente. Isso, pode ligar. Vamos esperar. Certo, avisa. Já tá aí, o taxista? Ah, veio trazer um casal? Que sorte. Não é Uber não, né? Ah sim, taxista de confiança, aí sim, Ronaldo, tô gostando de ver, vou te elogiar pro patrão. E aí, Boca, quer dividir a corrida?

Pode ser.

Mas ele vai ter que me deixar lá antes. Algum problema?

Não, problema nenhum. Tô com pressa de voltar pro gabinete não. Já deve ter um bolo de gente por lá também.

Com certeza.

Opa, rapaz, tudo bom? Esse endereço aqui, ó, na tela. Pisa fundo que tô atrasado.

Quando chegam, Biriba paga a corrida e desce. Boca pede pro taxista esperar. Biriba mal pisa na escadinha da entrada da casa, a mulher abre a porta, vestindo uma sainha curta com a cintura alta cravada na cintura fina, uma blusa decotada recortada acima do umbigo. Sorri, o cabelo cacheado solto, salto alto, batom na boca desenhada.

Biriba filho de uma puta, murmura Boca, pensando que o amigo achou a prostituta mais escultural de Brasília.

Puta merda, diz o taxista. Que que é isso, ein, doutor, que avião. Caramba. Ca-ram-ba.

Boca pega o celular, manda uma mensagem cancelando seu encontro à noite com a prostituta das últimas semanas.

Fecha o bico aí, meu filho. Só dirige. Toca pra Câmara.

  • succesdescandale

    Muito bom