Bailarina [#61]

A mãe de Roberta foi dançarina, bailarina da Companhia Real Portuguesa, e a ensinou desde cedo os passos sutis e movimentos calculados que aprendera na juventude. A viagem foi sofrida, muitos adoeceram, alguns morreram e foram lançados ao mar, mas a família chegou ilesa. Na colônia não havia nada que lembrasse o esplendor da pátria abandonada, mas Roberta soube encontrar novos interesses para passar o tempo, como as crianças pareciam fazer com mais facilidade que os adultos. Considerava os nativos engraçados embora os temesse, um povo completamente dissociado do que acreditava serem os costumes do mundo. Absorveu sua cultura como pôde, a despeito da vontade da mãe, e acabou somando ao seu repertório os trejeitos e vestimentas indígenas.

Quando a mãe a pegou escondida, treinando os passos daquela dança herética que misturava tradicionalismo e selvageria, quase foi à loucura. Mas a insistência da filha a venceu, e depois de conformada aprendeu a enxergar a originalidade dos movimentos, nada que uma academia atenta à formalidades diversas poderia produzir. Roberta treinou e desenvolveu sua técnica mambembe, que não foi exportada para as terras europeias e acabou restrita aos limites da costa colonial, o que significava uma única coisa aos olhos do severo pai: falha. Mas fama não era o objetivo de Roberta. A família exigia um casamento e ela se esquivava dizendo que não havia tempo nem interesse nos rapazes. Era só no palco que se sentia completa, dona de si, possuidora de um coração grande demais para seu corpo mirrado. Nada mais importava. A vida começava no abrir das cortinas e se encerrava no sufoco seco do último aplauso.