Da mortífera arte das escolhas

É óbvio que qualquer pessoa, quando confrontada com a escolha, prefere ganhar na loteria a levar um tiro no peito.

Foi o caso desta mulher. O dinheiro lhe permitiu realizar um sonho: abrir um museu. Para preenchê-lo, participou de leilões e durante décadas se dedicou a descobrir gênios artísticos nos cantos mais improváveis. Numa visita a uma garota sem um dos braços numa vila indiana, conhecida pelas naturezas-mortas, esta mulher sentiu a impotência ao ser ameaçada pelo pai da garota com uma faca. Ficou congelada enquanto ele retalhava os quadros de cima a baixo para impedir que o talento levasse a filha pra longe da família.

No retorno a Bogotá, esta mulher passou a se interessar por pinturas de homens com facas, ou de facas sem homens, e a isso dedicou uma seção inteira do museu.

No Cairo, um faquir especialista em pintar facas pintou também um quadro em que um pelotão de fuzilamento hesitava diante de uma condenada com os braços cruzados. Na ponta do quadro, um gavião descia num rasante para passar entre executores e vítima, e a tensão contida na obra foi tamanha que esta mulher sofreu o primeiro de seus infartos quando a viu pela primeira vez.

Ao ter alta do hospital, esta mulher voltou a procurar o faquir e descobriu que ele havia desistido das pinturas, tendo vendido tudo e viajado para alguma praia tranquila do mar Báltico. O quadro do fuzilamento, desaparecido, ditou nova obsessão. Para encontrar quadros de fuzilamentos, tema já não tão em voga, viajou para países onde tais execuções ocorreram em demasia e foram bem documentadas. Adquiriu todas as pinturas que encontrou.

Quando sentiu o sopro da morte cutucar a joanete do pé esquerdo, fez um pedido aos artistas colombianos, que a consideravam uma mecenas graciosa: pinturas retratando o fuzilamento de uma velha com os braços cruzados em cada umas das praças de Bogotá.

Encomendou um mosquete, elegeu o quadro mais bonito da leva, pediu à assistente de maior confiança que a levasse à praça retratada na pintura e a fuzilasse antes que eclodisse o sétimo infarto. Cruzou os braços. Ouviu o gavião. O tiro foi certeiro.

Portanto, também parece óbvio afirmar que a cobiça é a ruína de certas pessoas, que não se satisfazem com as escolhas que fizeram.