Dança espiralada das folhas em profusão

Grama boa de pisar, ela intui, sentindo o gelado da terra sob as solas, as lâminas fofas passeando entre os dedos. Os cachos na nuca balançam, e os dedos se abrem e fecham no ar, querendo capturar o vento. Uma borboleta, um revoluto em ziguezague diante dos olhos e então sobre o ombro e pra trás, e os olhos seguem.

Aqui, filha, aqui.

A voz a traz de volta num rodopio. O desequilíbrio, a queda, o desconforto. O choro é interrompido pela curiosidade: uma exceção no verde, um ponto cinza, arredondado, que ergue entre os dedos (duro) e investiga na ponta do nariz, a caminho da boca. Algo bate na sua mão. A pedrinha some. O choro é de novo interrompido pela voz, que fisga.

Vem cá com a mãe, filha, vem. Anda.

Ela se ergue, dá um passo, as pernas tremendo e os joelhos querendo dobrar, depois outro, e a boca se abre com os dois dentinhos de baixo querendo saltar.

Isso, filha, continua, continua, vem.

Outro passo, longo demais, e o corpo todo balança. Os pés querem se embaralhar, a cabeça pesa prum lado, mas algo a sustenta pelas costas. Uma bicicleta vermelha passa atrás da mãe. O vermelho gritante se distancia, a mão se estende pra pegar, pra investigar o que é que se move tão rápido, os círculos brilhantes que rodam. Ouve uma batida de palma.

Aqui, filha! Concentra, vem.

Um passo, outro, mais um, é peso demais pra frente, cai com o joelho esquerdo. Ignora o desconforto, agora quer continuar. As mãos no chão, empina a bunda pra cima e se ergue.

Focada naquilo, não vê a menina da bicicleta estacionando contra a árvore e pulando pra puxar a maçã de um dos galhos mais baixos. A estrutura inteira se move, o teto todo estremece, e as folhas folgadas até então salvas a meio caminho da queda despencam.

Chove verde, e são só mais quatro passos pra alcançar as mãos estendidas da mãe, de cócoras na grama, sem notar que o pai a segue logo atrás, as mãos também estendidas, e a menina só tem olhos pra cima, praquela chuva que arrebata tudo, transforma o chão, entrecorta o céu e a bicicleta e a mãe e todo o resto, acaricia sua cabeça e lambe seu rosto. Os dentinhos despontam novamente, porque não há nada mais maravilhoso que isso.

Vem, filha.

Outro passo.