Das minhas férias em termas tibetanas

Contraqwert me aconselhou a trazer uma sunga. Agora eu entendo. As águas termais deste resort tibetano são mesmo incríveis. Uma massagem no espírito, dizem as propagandas.

Subo enrolado numa toalha e vejo Contraqwert mexendo no computador, dois copos com sombrinhas penduradas nas bordas, ao seu lado, vazios.

Enchendo a cara antes do trabalho?, digo. Pedi sem álcool, diz ele.

Visto meu look de férias. Ligo na recepção e peço um travesseiro extra. Três minutos pra batida na porta.

Boa tarde, senhor. Aqui o seu travesseiro.

Ah, sim, obrigado, digo. Entre, por gentileza, vou pegar uma gorjeta na carteira. Aliás, pode dar uma olhada no chuveiro? Ouvi um barulho estranho mais cedo.

O garoto entra no boxe. Contraqwert vem da sacada, entra atrás dele, enfia a agulha na lateral do pescoço, certeira na jugular. Se há algo que sempre elogiei em meu parceiro é sua mira perfeita.

Deitamos o garoto na cama e pegamos a oculária. Contraqwert acopla o tubo removedor sobre o olho esquerdo e liga. O globo desencaixa da órbita, paira no centro do tubo. Ele prega a ponta do eletrodo no nervo ocular com uma pinça cirúrgica. Ligamos a tela. A oculária reproduz imagens capturadas que permanecem por até 24 horas, coletadas dos dados enviados ao córtex visual. Retrocedemos as imagens até o muquifo do garoto, o prato que comeu no almoço, a sala de aula de uma faculdade, o teto do seu quarto e, finalmente, os corredores do resort na noite anterior. São vários clientes. Logo o identificamos. Ontem ela era um senhor negro, entre cinquenta e sessenta anos, de cabelos ralos e óculos quadrados.

É uma troca rápida. O garoto entrega a ele uma cartela de pilhas AA. O senhor entrega o dinheiro. Suas mãos não se tocam. São três notas de 1 dólar americano. Pego a carteira do bolso da sua calça. As notas não estão ali. Volto a cena, reparando no que o rapaz conseguiu ver do quarto pela porta entreaberta. A cama está perfeitamente arrumada, o quadro na parede intocado, a sacada fechada. O lugar já foi verificado à exaustão. Não temos nada.

Procuro nos outros bolsos do garoto. Contraqwert desprega o eletrodo e devolve o olho à órbita. Acho notas amassadas dentro do bolso do paletó. Duas notas de cinco dólares e três de um dólar. Ensaco as notas pequenas, puxo o lacre à vácuo. Talvez consigam a digital do homem que ela foi ontem. Talvez rastreiem-no até sua origem. Talvez achem outra coisa. De grão em grão.

Contraqwert borrifa o fungo restaurador no olho do garoto. Anestésico e calmante. Tirando a coceira por alguns dias, ele ficará bem.

Recolhemos nossas coisas do quarto, fechamos a conta na recepção e entramos no carro. Seguimos pro aeroporto ao som de Deep Purple.

  • Weslley Tresdê

    Isso devia ter mais umas quinhentas páginas, haha!
    Muito bom.

    • http://flashfiction.com.br Santiago Santos

      Quem sabe, né. A propósito, esses personagens já apareceram antes em outro drop: http://flashfiction.com.br/dos-meus-dias-de-sushiman – é provável que eu volte a eles depois. Até então, nenhuma série ou cronologia idealizada, mas me divirto horrores também. Abraço e valeu pelo feedback!