Das modulações da memória

— É que antes de morrer, Luântoni, seu padrinho decodificou todos os receptores neurais e as milhares de ligações entrecruzadas que formavam a consciência dele e a dividiu em fragmentos mínimos, partículas unicelulares.

— Mas o cérebro humano nem foi completamente mapeado ainda, pai. Como ele conseguiu?

— Tobias era um homem à frente do seu tempo. Ele imbuiu cada uma dessas partículas com a imperativa necessidade de replicação. Você viu as aranhas metálicas no jornal? As que cobriram a fábrica da Pell? São módulos. Eles se apropriam de processadores de todo tipo, computadores, celulares, TVs, e os adaptam e hospedam outra partícula.

— Então a cidade é um prato cheio.

— Exato. O que começou com um punhado dessas aranhas numa caixa de sapato agora são três quadras inteiras. As aranhas trabalham incessantemente. O exército cogita bombardear a área depois de evacuada.

— Mas chegariam a esse ponto?

— É possível. Estão aterrorizados, não sabem o que está acontecendo. Tampouco sabem que Tobias já atingiu o tamanho necessário para possibilitar o início da materialização de consciência. Aos poucos ele recobrará a totalidade de suas faculdades.

— Caramba, pai! Então ele conseguiu o que queria! Mas se bombardearem e acabarem com esse módulos não vão acabar com tudo o que ele fez?

— Aquelas três quadras são uma distração, Luântoni. Seus principais módulos estão abrigados em território amigável.

— Aonde?

— No nosso primeiro laboratório. Onde trabalhamos durante a faculdade e criamos tantos protótipos antes de fundarmos a OmniCorp.

— Por acaso é aquela fazenda abandonada de que a mãe sempre fala, a que ela queria que você vendesse pra comprar uma casa na praia?

— Isso. No sótão da casa na fazenda, um espaço enorme, guardamos todas as quinquilharias daqueles experimentos. Agora são aranhas, aos poucos se afastando da base e se infiltrando em vagões de trem e bagageiros de ônibus e compartimentos de carga de aviões e navios. Já estão a caminho do mundo todo. Japão, Rússia, Islândia, África do Sul, Alasca, Argentina. Elas se replicarão. E alcançarão um nível de processamento muito maior do que o do Tobias humano que a gente conhecia, seu padrinho.

— É pra lá que a gente tá indo? Pra fazenda? Pra você me mostrar o novo tio Tobias?

— Sim. Assim que conseguiu recobrar parte do raciocínio ele me mandou uma mensagem.

— O que ele quer com a gente, pai?

— Tá com saudade.