Do preço inesperado das cópias

Admirando uma árvore no quintal, a esposa ao lado com o barrigão escondido no vestido, Juveno decidiu fazer o experimento que lhe custaria, nos próximos sete anos, todas as horas do dia, o casamento, e, por fim, a felicidade.

Os gêmeos nasceram saudáveis, parto normal, e Maria se recuperou rápido. Dário 3 minutos mais velho que Jonathan. No quarto, os berços iguais, dispostos na mesma parede, onde a luz do sol incidia com igual proporção, onde o ventilador era igualmente distribuído. As roupas, as mesmas. Na hora do leite, o cronômetro. Na papinha, a balança. As brincadeiras sempre com ambos, ou não eram permitidas, os convidados e parentes cientes quando pisavam na trilha de cimento que cortava a grama até a casa. Achavam curioso, riam, mas ficavam pouco tempo. Maria não se preocupava muito no início, não via maldade, só a chatice típica do marido.

Os garotos falaram as primeiras palavras no mesmo dia. Dário, o mais velho, antes. Jonas repetiu pouco depois. Mãmã. Juveno pensou em como remediar aquilo, porque Jonathan tinha a vantagem de ter ouvido pra depois repetir, ao contrário de Dário. Mas a própria diferença de 3 minutos no nascimento constituía, se as coisas fossem levadas assim tão a sério, uma desigualdade que desmontava toda a maquinação científica do experimento de Juveno. Um mínimo de tolerância era necessário.

Naturalmente, certas coisas se resolviam sozinhas. Quando um deles pegava gripe, o outro logo pegava. Tinham, feitos os testes de praxe, saúde regular e nenhuma doença congênita ou malformação ou diferença notável nas aptidões físicas. Mas em outras instâncias, Juveno era obrigado a intervir. Numa visita à fazenda da sogra, Jonathan, ainda pequeno, foi picado por uma abelha. Logo Juveno carregava Dário pela mata até achar uma cachopa de marimbondo, aguardando, depois da pedrada, o ataque. Levou várias ferroadas nos braços mas conseguiu a picada no filho, que não era igual, não era a mesma, mas compensava, ele supôs.

O casamento acabou quando, aos sete anos dos garotos, na aula de futsal que faziam duas vezes por semana, Dário quebrou a perna. Juveno esperou os filhos dormirem para, com a chave de roda, igualar o ferimento no mais novo. No hospital, Maria não olhou na cara do marido. O filho foi examinado, diagnosticado, engessado e liberado. Ela colocou os pequenos no carro e foi embora.

Juveno, claro, não conseguiu a guarda na justiça. Passava as noites sentado no quintal, depois que chegava do trabalho, observando a árvore que lhe deu a ideia. Na época, ela tinha um tronco com as mesmas deformidades nos dois lados, e galhos que cresciam na mesma proporção até se enroscarem na copa. Agora, não era mais simétrica.

Quando os filhos vinham visitar, bem mais velhos, depois do laudo psiquiátrico que desenhava a recuperação de Juveno e as benesses possíveis que a reaproximação com os filhos traria, ele já tinha cortado a árvore, concretado o quintal e feito um puxadinho da casa com churrasqueira e uma grande mesa aproveitada da madeira da árvore. Eles jogavam canastra com um vizinho, um senhor solitário que a essa altura era o único amigo de Juveno, e conversavam, tomavam cerveja, se divertiam. Quando os filhos iam embora, os dois amigos ficavam por ali, bebendo um pouco mais, jogando mais algumas partidas, chorando as lembranças da vida que tinham perdido em algum ponto do passado.

O senhor solitário se chamava Mourão, e gostava, quando ainda era casado, de passear de mãos dadas pelo bairro com a esposa, levando na coleira seu cãozinho Shih Tzu. Nunca tiveram filhos, porque ele era infértil, e a mulher nunca aceitou a ideia de adoção, o que ele achava uma grande besteira. Ela faleceu pouco antes de mudar de ideia. A depressão profunda que o acometeu foi agravada pelo atropelamento do cachorro, que perdeu uma perna e agora mancava pelos cantos da casa, com um temor absurdo de encarar a rua ou sequer a porta de entrada.

Às vezes, Juveno o visitava, e olhava com dó aquele cachorrinho que o fazia lembrar do filho com a perna quebrada. Por isso preferia que o velho viesse até sua casa, não o contrário. Num dos dias de visita dos garotos, Mourão apareceu pra canastra com o cachorrinho apavorado no colo. Disse que queria fazê-lo vencer os medos, nem que fosse na marra. O cachorrinho ficou amuado, grudado numa parede, onde não se mexeu nem mesmo pra mijar ou cagar em cima do jornal que Juveno colocou ali. Os garotos se compadeceram do bicho e ficaram fazendo carinho nele, mas nada funcionou.

Quando herdaram a casa, Dário e Jonathan lembraram daquele dia do cachorrinho, do vizinho amigo do pai, e do próprio pai, que nunca mais foi o mesmo depois do divórcio, até a velhice, até a morte. Eles dividiram a mobília toda, como dividiriam os custos da demolição e o dinheiro da venda do terreno, mas a mesa, a mesa da canastra, eles resolveram colocar na casa de veraneio que compartilhavam, em Chapada dos Guimarães, pra onde iam com as esposas e os filhos, e onde jogavam canastra, porque a mesa, eles tinham que admitir, a mesa era boa demais pra não ter esse destino. Pensavam igual, a maior parte do tempo, os dois irmãos.