Esferográfica [#214]

Aquela mão fedida me apertando, esganando, como se força bruta adiantasse. O desgraçado ainda não aprendeu que cortesia facilita. Não. Acha que fumar, encher a cara, ouvir música no talo e sentar com o troço balangando basta. Porra nenhuma. Se bastasse qualquer um virava escritor.

É o tipo de coisa que não ensinam na fábrica. Usam o sistema de linha de produção do Ford até hoje. Uma repete os erros da outra. Por mim metia um curso técnico no meio, pelo menos o básico, pra você já tá preparada quando te destamparem. Evitar chegar com tanta sede na página, borrar, falhar, arranhar. Muitas custam a entender que não são as protagonistas. Cê tá ali de duto, ferramenta. Pode ser substituída como qualquer peça de roupa, mas vai ver se elas se tocam. As mais velhas agitaram um sindicato e talvez até por isso doaram todas pras escolas da periferia. Sortudas. Agora vivem num ambiente alegre, não nessa joça embolorada e fumacenta onde vivo.

Somos sensitivas, absorvemos pelos dedos. O nível de ambição, entrega, alegria, raiva, cansaço. Dá pra saber quando o negócio vai ficar bom. Pouco importa sucesso, crítica, publicação. O que dá tesão, o que dá liga é fazer parte de algo grandioso, como quem ajudou a construir a Torre Eiffel e pôde se gabar disso. As penas do Balzac, por exemplo, foram direto pro céu. Pouco importa a obra virar pó esquecida na gaveta. Não é reconhecimento que alimenta, é propósito. Igual bola de futebol que nunca foi chutada. Ô dó.

A displicência, o descaso, a ideia de que a escrita é um martírio, toda essa mentalidade arrogante do meu dono começou a cansar. O ápice da escrotidão foi o dia que me usou de colher pra mexer o gelo no uísque. Uísque barato! Esperei me largar sobre as letras garranchosas. Quando foi na padaria comprar cigarro forcei um peido. Voltou e se deparou com a poça de tinta borrando metade da sua história de merda. Me xingou, jogou na parede. Vai, bate! Quebra! Ui!

E é uma tortura coroar o monte de lixo vendo ele usar outra pra fazer o que eu fazia. Maldito. Ela resplandece e suspira nos dedos suados. Novinha desgraçada. Ainda não sabe onde tá se metendo.