Fila do banco

Agosto de 2013, agência da Av. do CPA, Cuiabá

- Boa tarde.
- Oi.
- A senhora já pegou senha?
- Já sim. 97.
- Hum. Sou depois da senhora. Quer que eu segure esses papéis?
- Por quê?
- Pra poder descansar os braços.
- Você também tá de pé, menina.
- Mas tô descansada.
- Tô bem, viu? Pode ficar tranquila, ainda consigo me virar com um peso desse.

- A senhora ouviu que a presidente vai trazer aqueles médicos de fora pro interior?
- Ouvi sim.
- Que coisa, né.
- Acho é bom. Tá faltando médico mesmo. Tenho uma prima de Curvelândia que vive reclamando.
- A senhora acha bom? Tem muito médico no Brasil, eles não vão pra lá porque o governo não dá incentivo.
- Dá incentivo sim. Talvez você não conheça. Médico no interior é tratado que nem rei, recebe uma grana preta.
- Não tem infra-estrutura, não tem garantia nenhuma. São eles que tão falando.
- E lá eles sabem de alguma coisa? Tudo aqui, socado em clínica grande, hospital grande. A presidente tá corretíssima.
- E as manifestações, mudando de assunto. Coisa bonita, né?
- Bonita? É só vagabundo na rua quebrando carro, roubando loja, tacando pedra, tacando fogo.
- Não, senhora. Tem muita gente na rua que não tá fazendo isso. Eu já participei, posso dizer.
- Pode dizer o quê, menina. Você foi em toda rua que teve? O que eu vi na TV e li na revista foi outra coisa.
- É que a mídia mascara o negócio, mostra só o lado ruim.
- Se ninguém tivesse fazendo nada não iam ter como gravar e tirar foto, né? Se mostram é porque fazem.

- Olha aqui, você que tá toda conversadeira. Viu que aumentaram o passe de ônibus?
- Um absurdo, né.
- Um absurdo a gente ter que pagar pra estudante andar de graça. Por isso que aumentam.
- Tem muito estudante que não iria pra escola se não tivesse isso.
- E o resto da cidade que não tem dinheiro? Molecada é mais importante que o resto, é?
- Não, na verdade acho que o transporte público deveria ser gratuito pra todo mundo, mas ainda falta muito–
- Menina, cê tá vivendo em que mundo? Me fala o dia que vão fazer essa gente que ganha dinheiro parar de ganhar dinheiro. Tá longe, viu.

- Essa Cuiabá tá quente, né?
- Quente? Quente tava ano passado. Hoje tá fresco. Tá perigando até eu colocar uma blusa quando chegar em casa.
- Blusa? A senhora tá doente?
- Agora quando, menina. Vai refrescar, parece.
- 39 graus e a senhora me diz que tá fresco.
- Uai, pra quem tá acostumado com 43, 45. Não é?

- Essa fila tá demorada, hein?
- Aí sim, minha filha. Agora você tá fazendo sentido. Demorada demais.
- Quer que eu segure os papéis?
- Faz favor. A velhice mata a gente, viu?