Gorda [#210]

Perna gorda, dá pra segurar a banha. Bunda furada, tela de celulite. Barriga grande, pros lados, cintura de ovo, já ouvi. Cara de balão, pescoço grosso. Nariz batatudo e cabelo ruim, haja chapinha e alisamento e hidratação. Valeu, genética. Desisto de me olhar no espelho e me visto. Passo maquiagem sem vontade, só pra esconder o que não dá pra esconder. Calça preta, blusa folgada, xuxinha no cabelo. Carro, trânsito de merda, agência.

Oi, Bom dia, Como vai, Tô ótima. Sentada atrás da mesa, gavetas atulhadas. Pão de mel o maior pecado. Ainda mais se for recheado. Bolachinha, wafer, amendoim, castanha. Na Cacau Show não posso nem entrar. Gosto de comer, sabe? É isso, preciso. Já fui em psico, endócrino, nutri e não dá. Academia enche o saco. O problema não é a preguiça. É a boca mesmo.

Aí chega a Vanessinha, a putinha descarada, vestindo sainha 36, decotinho, cabelinho repicado tão liso que balança como se tivesse ligado na tomada. Todo mundo devora, elogia. Quando levanta pra ir no banheiro é só olho gordo. Mesma coisa a Morena, que trabalha na minha frente, cheinha mas “no limite”. A Karina, recepcionista, uma tábua e “dá pra dar uns pegas”. Cleusa, a patroa, “coroa enxuta”, toda cheia de plástica. A gorda aqui? “Gente fina”. Todo mundo adora conversar, almoçar junto, perguntar de filme, de livro, de notícia. Agarrar que é bom, nada.

Você assina Cláudia, Vogue ou coisa do tipo porque gosta de se vestir bem e quer saber o que tá na moda. E se tortura com propaganda atrás de propaganda de esqueleto, aquilo sim é bonito, os desgraçados dos designers preocupados com as magrinhas, as gordas que fiquem com as batas e os vestidos lisos e os blusões. As gordas que se matem pra achar marido, porque na novela e nos filmes e nas séries e nos livros e em tudo que é mídia quem protagoniza romance é gente nova, sarada, linda, dente brilhante, os gordos ali pelos cantos, alívio cômico, desastrados, espalhafatosos, suados, preguiçosos, vivem pra emagrecer porque é uma doença calamitosa, ninguém quer gordura. E toma propaganda de comida, de besteira, de lanche, de pizza, de tudo que é bom e não presta.

Todo mundo sabe que a vida não é só isso, que no dia a dia, a não ser que você more no Projac, vai cruzar com gente normal. Feia, fedida, mal-vestida. Dá pra passar em branco, se misturar. Mas aí você pensa no gatão que quer do seu lado. Se puder escolher. Qualquer um. Não vai ser gordo, tenho certeza. Vai ser o Gianecchini. A ironia se apoia na parede pra não cair de tanto rir. Mundo, já entendi o recado: se vira nos bastidores, os palcos tão cheios.

Mas precisava ser tão doído? Depois acham ruim que eu desconto na comida.