Invisinha [#129]

Tudo começou com uma porcaria de aposta.

O Zé me deu uma bala, parecia bolinha de gude. Lambi, gosto de amora. Falou que se eu comesse me dava 200 contos. Mastiguei, azedinha, engoli. E ele nunca me pagou. Sumiu.

No outro dia acordei e tomei um susto. Nada pra baixo da camisola. Nem pé nem perna. Mas o volume das coxas continuava ali. Tateei e senti a pele, os ossos, as unhas, tudo em ordem. Mas não via nada. Nem os braços. Tirei a camisola e fiquei na frente do espelho. Nada. Cuspi. O cuspe surgiu assim que saiu da minha boca e escorreu pela parede, vivo, visível. O problema era só comigo.

Saí pelada. Se um negócio desse acontece você tem que aproveitar a oportunidade. Entrei no prédio, me esgueirei pela escadaria até o quarto andar, aguardei quando abriam as portas pra passar no vácuo e no fim acabei no escritório do Paulo. Sentei num canto. Ele conversou com os clientes no telefone, bebeu uísque da gaveta, preencheu formulários. Aí perto do almoço a secretária entrou, tirando a blusa. Fizeram ali mesmo, na minha frente. Sete anos de casamento pelo ralo. Ele nunca soube de onde veio o tapa, chegou a arrancar sangue. Saí correndo, só as lágrimas no caminho testemunhando minha visita.

Comecei a me vestir com sobretudo, calça, meia e luva, a cara toda enfaixada e óculos escuros pra atender os entregadores. Deviam me achar uma louca. Tudo eu pedia, de comida a sabonete. E sempre que precisava saía pelada, entrava nas lojas, pegava dinheiro enquanto os caixas entregavam o troco. Consegui uns contatos, comecei a roubar joias, uma grana estável. Mas daí o Lebowitz veio, o cara da CIA. Fez todo um discurso que eu precisava usar minhas habilidades pra algo decente. Me levou pra Langley, me treinou, fiz umas missões de suporte à la James Bond, levantei uma verba. Mas acabei pedindo pra sair, não era bem o que eu queria pra minha vida.

Me larguei no sofá da mansão em Beverly Hills, angustiada. Pensei em suicídio. O que me motivou a não seguir em frente foi saber que se eu fizesse mesmo isso ninguém ia saber.

Achei que não podia piorar. Piorou.

Me deram um colar localizador e me chamaram pro Quarteto Podrástico.


*Conheça os outros integrantes do Quarteto Podrástico:
HOMEM-ASFALTO
FOGUIN