Jourrúbio e o congestionamento [#24]

Jourrúbio saiu da farmácia mascando um chiclete.

Estava nervoso. Não comia farofa de banana desde o dia anterior. Ainda não havia se recuperado completamente do sequestro relâmpago, ocorrido há menos de um mês. Conseguiu se libertar do porta-malas do carro mas o deixou pra trás na ânsia de se vingar dos sequestradores. No dia seguinte voltou ao Despraiado pra encontrá-lo sem motor, sem portas e sem teto. O seguro enrolava pra liberar o dinheiro, e até que isso acontecesse dependia dos queridos ônibus de sua cidade natal.

Andou até a Isaac Póvoas, observando o congestionamento que se estendia até onde a vista alcançava. Um acidente no centro em horário de pico, lhe disseram no ponto de ônibus. O sol tinha acabado de descer, mas os termômetros ainda teimavam em se despregar dos 35 graus. Jourrúbio começou a suar frio. Morava no Porto, e as filas demoradas seguiriam até quase a porta de sua casa. Sentiu as pernas bambas quando pensou na farofa de banana. A esposa tinha viajado, mas a mãe providenciou uma panela e deixou na sua casa à tarde.

Depois de 20 minutos, o ônibus que estava a 10 metros do ponto finalmente chegou, tão cheio que muitos enfiavam a cabeça pelas janelas pra respirar. O lugar havia se tornado uma pequena província, passageiros ansiosos se espalhando pela rua, encostados nos carros, sentados no meio-fio. Jourrúbio fechou os olhos, tentando se concentrar. Quando voltou a si estava debruçado sobre a panela de farofa no sofá de casa, abraçado a uma garrafa de coca 2,5 litros, uma colher na mão e farelo na camisa e na barba. Salve Jorge na TV.

Tentou lembrar o que tinha acontecido. Conseguiu resgatar alguns flashes. Descendo a Isaac Póvoas correndo. Cinco carros engavetados, um ônibus retorcido e duas motos caídas. A luz esquizofrênica das ambulâncias pulsando. Pulando com um carro nas mãos. Empurrando um ônibus pra cima da calçada. Pessoas dentro dos carros deixando as bocas despencarem. Ignorou toda aquela bobagem.

No dia seguinte, os jornais perguntavam quem era aquele ser misterioso. Uma única foto mostrava um borrão erguendo um carro no ar. Mas Jourrúbio não lia jornal, não ligou a TV, não mexeu no celular. Quando chegou na farmácia, comentaram o acontecido. Ele disse que era alucinação coletiva, riu, e ninguém rebateu.

Sua fama o antecedia: Jourrúbio era um cara tranquilo demais pra se preocupar com essas bobagens.


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-Jourrúbio e a farofa de banana
-Jourrúbio e o peixe de Bom Sucesso
-Jourrúbio e o jogo do Mixto
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