Manicure [#127]

  • 30 de junho de 2014
  • Categoria: Fantasia

Azul cítrico. Magenta magnético. Marrom barrento. Preto espacial. Branco vergonha. Amarelo bandido. Vermelho escancarado.

Se você quiser me enquadrar na escala de poderes registrados pós-cataclismo, eu fico lá embaixo. Bem lá embaixo mesmo. Então quando os mutantes foram pras ruas eu fiquei em casa. Assisti pela TV o pessoal soltando bola de fogo nos tanques, fazendo os soldados levitarem até as nuvens, envenenando inocentes com gás biológico, retorcendo caças com controle do magnetismo. Confesso que sobrevivi à guerra porque meu filho, o Tampinha, foi afetado também. Ele cria escudos de força, então ficamos aqui vendo TV e tomando cerveja, e nem mesmo um míssil conseguiu atrapalhar o nosso churrasquinho de domingo. Que dia foram escolher pra guerrear.

Na segunda-feira, pouca coisa da cidade continuava de pé. Mas o salão de beleza, no térreo da minha casa, ficou intacto. Foi quando decidi usar meu poder pra ganhar dinheiro. Já tava na profissão certa: manicure. As unhas cresciam incontrolavelmente, na cor e no tamanho que eu desejava. Cortava e o Tampinha ensacava. Fez sucesso, viu. Tá certo que essa não é bem a preocupação, temos que reconstruir casas e escolas e creches e hospitais. Mas a maioria das mulheres continua antenada. Mesmo nos tempos difíceis.

A vaidade é alta entre mutantes e humanos. Já consigo ver as franquias em Nova York, Berlim, Sydney, Madri. Unhas postiças para todos os gostos. O sucesso atraiu parceiras. A Irma, que cresce o cabelo, e a Bárbara, que cresce cílios. Até pensamos em juntar forças mas não dá. Elas não têm esse tino comercial.

Então quando a gente fala sobre mutantes é aquela coisa. Eu tô na lanterninha na escala de poderes, tudo bem. Mas não sou perseguida. Não sou discriminada. E agora sou rica.

Verde verdade, rosa tesão, cinza cemitério, arco-íris da alegria, laranja escândalo.

Isso que nem comecei a mexer com francesinha.