Mercadores [#141]

A vela gorda estala acima das nossas cabeças, uma música de boas-vindas. A cidade à frente, desde o indistinto ponto longínquo há mais de hora até os prédios, escadarias, mesquitas e casas plantadas nos morros que se exibem em completo fulgor agora, parece sorrir. Convoca os marinheiros deste navio maltrapilho a entrar em suas residências, comer seus pães, beber suas cervejas e dormir com suas filhas.

No porto conferem nosso carregamento de pimenta, farinha e seda e iniciam o desembarque. Libero todos os homens por dois dias e supervisiono a descarga. O único que fica é Voliteo, já sem forças para vencer a rampa e chegar inteiro a um puteiro qualquer. Desço à cabine, abro o cofre, pego algumas moedas e entro na cidade. Me enfio sorrateiro numa mesquita e oro à Alá, razão de nossa constante sorte.

A barriga suplica. Venço a estrutura caótica de pontes de cordas e escadarias para alcançar os restaurantes da região nobre, onde peço cordeiro e me esbaldo no vinho recém-pisado. A pensão cobra o resto do dinheiro por um banho quente, massagem, corte de cabelo e barba, um quarto e uma mulher. Levanto revigorado e volto ao navio.

Voliteo continua sozinho, sentado no convés, assoviando por entre dentes fantasmas. Digo que chegou a sua vez. Não me incomodo de ficar no seu lugar por um dia. Ele sorri, aperta minha mão, toma meu corpo e sai cantando, leve, pulando a rampa, abrindo os braços. Sento atrás do leme. Massageio as pernas velhas. Puxo o diário de bordo. Escrevo. Espero que os marinheiros escolham corpos fortes e resistentes. Preciso de juventude e disposição para longas viagens. Enquanto Voliteo nos acompanhar não há motivo para temer, desde que cheguemos vivos à próxima cidade, e à próxima, e à próxima. Em todas elas encontramos aqueles dispostos a nos dar a mão, o cumprimento abençoado que estende vidas nessa lona cristalina que cruzamos atrás de algo que ainda não descobrimos o que é, e não temos certeza que queremos descobrir.