Não há nada pior [#144]

Costumo pensar que não há nada pior que a morte. E lembro da dor. Morrer é fácil, se for indolor, não é? Então a dor é muito pior. Há uma relação indiscutível da morte com a dor. É uma discussão que parece intrincada no conceito de saudade. A pessoa se vai, não vai mais conversar, nos abraçar, nos surpreender de nenhuma forma, só na memória. E vai fazer falta. E isso dói. A saudade dói. Não é o raciocínio mais comum que existe?

Costumo pensar que não há nada pior que a saudade. E lembro da dor. Como transformar um sentimento opressivo, de perda, numa coisa boa? Numa coisa que não fere? Há como fazer a saudade florescer como lembrança neutra? Como quem lembra de tirar a roupa da máquina? Como quem lembra de olhar as horas no relógio? Um pensamento com tamanho desprendimento emocional? Mas aí os racionais diriam: não é saudade, se não há dor. Não há perda. A saudade dói, é a principal característica dela. Se não dói não é nada. É fingimento.

Costumo pensar que não há nada pior que o fingimento. E lembro da dor. Da dor de representar. De não haver espaço pra se despir dessa persona, da expectativa, de otimismo, de beleza, de satisfação. Quem não finge? Ser verdadeiro em toda a sua potência é assassinar a vida em sociedade. O silêncio é necessário, a indireta, a dissimulação. Quem finge escapa de brigar todo dia, toda hora, e se fortalece pra gastar verbo e tempo no que realmente quer, no que importa. O que importa? Qual o objetivo final? Por que fazemos o que fazemos e continuamos indo, seguindo nesse ciclo ininterrupto? Há resposta?

Costumo pensar que não há nada pior que a dúvida. E lembro da dor. Da angústia da indecisão, de não saber o que vai acontecer daqui a dois segundos, dois minutos, dois anos. As grandes decisões são postergadas eternamente; as pequenas, repensadas a todo momento, a tortura de não saber se foram mesmo as melhores. Existem melhores e piores? Se esse tormento for sempre levado em conta não se vive, vira máquina, computa e perde o instinto, o pressentimento, aquela carga de iniciativa tresloucada que transforma gente em gente, ideias em ações.

Costumo pensar que penso demais. E perco o tempo que devia passar vivendo. É muita dor pra quem quer sentir. Pra quem escolhe doer. Pra quem não dói, segue.