O chá da rainha [#122]

Cantpa entrou com passos curtos, silenciosos, chinelos de pano velho. Deitou a travessa na cômoda, serviu o chá fumegante e se aproximou da rainha, sentada na poltrona em frente à janela. Lia um livro grande de letras miúdas, nada que Cantpa entenderia mesmo que soubesse ler. Aguardou, o pires na mão. A rainha fechou o livro, pegou a xícara e deixou-a repousar sob o nariz. Soprou várias vezes antes de tomar o primeiro gole.

O chá está aceitável, Cantpa. Mas você cometeu alguns erros. Silêncio é bom, mas nem tanto. Um barulho para anunciar sua entrada é esperado, não quer me assustar. A travessa nunca na cômoda, use o banco ali ao lado das cortinas. Sirva do meu lado direito. O esforço que tive que fazer, retorcer o corpo dessa maneira cruel, percebe? Nada bom para os ossos. E não fique aí parada, palerma feito sua mãe, esperando ordens. Fez o que tinha que ser feito, vá embora.

Cantpa se arrastou para fora do quarto. Engoliu a raiva, voltou para a cozinha do castelo, viu a mãe picando uma cenoura sozinha na mesa. Sentou e começou a chorar. Que foi dessa vez, filha? O príncipe? Não, mãe, a rainha. Não faço nada certo, ela sempre reclama de algo. É que você ainda não aprendeu tudo. Falta experiência, criança. Sem choro. Mas eu sempre estou errada, e me esforço tanto. Tenho medo de fazer bobagem, fico nervosa. A mãe olhou ao redor, as outras mulheres ocupadas com o almoço, sem tempo ou interesse para as duas. Filha, a velha é uma bruaca, sabe disso. Não espere elogios. Em trinta anos nunca ouvi um agradecimento que fosse, não vai mudar.

Com o rei é muito mais fácil, mãe. Ele pouco se importa, não nota quem o serve. Prefiro assim. Fomos treinadas pra isso, não fomos? Fantasmas pela casa, serviçais mudas, cegas e surdas. Mas a rainha me dá nos nervos. Você vai se acostumar, criança. Não se preocupe. É isso que faz dela rainha. As pequenas coisas. O marido usa a coroa das paredes pra fora, aqui dentro é ela. O medo governa, a tranquilidade afrouxa. Fantasmas, você disse. É isso. Fantasmas não reclamam, não sentem. O problema é que ainda é muito sensível. Eu sei. Me perdoe, não choro mais. Pense em Deus, filha, no que o padre disse. Alguns nascem pra servir. É o nosso papel no mundo. Não sonhe, não pense, só faça.

Nos aposentos reais, a rainha sorriu, segurando o presente do vizir. As conversas travadas dentro dos muros do castelo, transcritas nas páginas do livro por mãos invisíveis, lembravam diálogos em um romance. Nas palavras da mãe e da filha, serviçais como tantas outras, viu a continuidade estabelecida. Deixaria tudo em ordem para seu filho. Um reinado digno começava digno ali, no ninho.