O mistério é calculado (4) [#157]

 ___algum lugar da Europa, julho de 1911___

O marinheiro de 55 anos foi encontrado com o cocuruto da cabeça costurado. Era conhecido e querido na região. A população lotou a rua estreita. A polícia, alvejada por impropérios e na iminência do tumulto, forçou a retirada do cadáver às pressas, a cena do crime desfigurada antes da chegada da perícia. Harkinen sentiu a saliva salgar ao ser informado, de forma que diante do apelo do comissário para evitar uma próxima vítima e o previsível linchamento da força policial pensou que não seria má ideia cruzar os braços e deixar a previsão se confirmar.

Acompanhou a autópsia no necrotério. No lugar do cérebro, outro dicionário. Em casa, tomou um banho demorado e se debruçou sobre o novo achado.

Este terceiro exemplar também possuía uma folha faltando (páginas 370 e 371) e a rasgada do volume anterior dobrada e enfiada no meio. Era uma edição espanhola de 1898, da Impressiones Especiales Gonzalez y Morrano. A folha arrancada compreendia verbetes entre Numerare (contar) e Nunc (agora). Em seu levantamento Harkinen não descobriu uma palavra sequer relacionada a partes do corpo. No entanto a marcação correspondente ao topo da primeira página sugeria o verbete logo após Numerare, e nos nove dicionários de latim encontrados na Biblioteca Municipal (tampouco possuía a versão espanhola) este seria Numerus (número). Mas por que “número”? O assassino mudara sua estratégia?

Havia um padrão. Algo ligado à área portuária? Aos enforcamentos? Uma mensagem se desenhava. Qual? No fim mais parecia uma busca desesperada por diálogo com um interlocutor capaz. O detetive procurava estar à altura. Mas faltava a chave, a senha para decodificar a linguagem.

Ponderou sobre a última descoberta. Era como se o assassino, aflito, recorresse a um ultimato. Que número? Harkinen buscou as datas de publicação dos dicionários. 1835, 1889, 1898. A distância entre elas não resultava em nada. Tentou a redução teosófica, somando os elementos compostos até chegar a um único numeral. O resultado nos três casos era 8. Coincidência? Pensou nas vítimas. Data de nascimento? Idade? O estivador tinha 21 anos, a lavadeira 34, o marinheiro 55. Considerou a simetria dos pontos nas incisões. A simetria das mortes. Pegou o calendário. Todos revelados no dia 13. Rabiscou o que conseguiu e um estalo de adrenalina rejuvenesceu os nervos artríticos. Os números se encaixavam na célebre sequência de Fibonacci, onde cada componente representa a soma dos dois anteriores. 8, 13, 21, 34, 55. O próximo seria 89.

Mas se 89 era a resposta, qual era a pergunta?


*Este foi o quarto capítulo da Pentalogia Mistério. Confira os outros:
[1] O mistério se inicia
[2] O mistério ganha corpo
[3] O mistério se confunde
[5] O mistério é desvendado