Octógono [#195]

Dou porrada a manhã inteira mas não dou que chega. Ainda não. Tenho que melhorar, ficar forte, ágil. Um cruzado, um upper e uma joelhada na boca do estômago e caio no tatame segurando a ânsia de vômito. O treinador me levanta e diz que não é porque sou mulher que vai aliviar. E bate de novo, e de novo, e de novo. De lá pra corda, pro saco, pros abdominais, pra ducha. Troco rápido pra dar tempo de fazer tudo e voltar à noite. Tenho que malhar, pegar corpo.

Comida é sempre frango assado e batata doce. Mais suplemento, um atrás da outro. Shake e barra, shake e barra. Água e mais nada. O serviço é uma enrolação danada, mas alegra. Inspetora em colégio de criança. Gosto do que faço, adoro os pivetes, as pessoas confiam em mim. Gosto mais de lutar. Minha paixão, quero viver disso.

É bem simples: você tem que virar uma máquina. Ter técnica, resistência, força. Ser persistente e determinada. E ter sorte pra cair no olho certo de agenciador parrudo, sorte pra entrar em evento top, sorte pra lutar contra gente que não é tão boa quanto você ou rezar pra pessoa errar, dar um passo em falso, cair num nocaute. O cinturão ainda tá longe, bem longe, mas é uma meta. Quero o que todo mundo quer. Dinheiro, sucesso, propaganda de xampu e carro. Escola pra minha filha, plano de saúde. Quero aproveitar a juventude e essa disposição que me faz seguir em frente, muita fé no meu santo.

Não me importo de ficar detonada, os hematomas, as luxações. Só nada grave, ou tô fora. Pode acontecer. Por isso rezo bastante. A discriminação é grande. Luta é coisa de homem, sangue, chute na cara, cotovelada, boca inchada e supercílio aberto. O mundo é deles. Mas a gente continua, ganhando espaço. Quem não entende me chama de hominho. Pelas costas, é claro. Ninguém arrisca tirar a real.

Agora é a época. Tem que ser agora. A mídia tá bombando. O povo adora. É camiseta e boné do UFC, TUF, WEC, Strikeforce, Pride pra tudo que é lado. Dinheiro rufando de entrar, luta grande. Brasileiro com muita moral, o jiu-jitsu coisa nossa, exportada. Eu sei que vai, tô melhorando, uns olheiros começaram a perguntar. Qualquer coisa pra tá lá dentro, o pessoal gritando, torcendo. Uma chance é tudo o que peço. Quero fazer história. Quero bater, não me importo de apanhar.

A aposentadoria vai ser a lembrança. Quando o corpo murchar eu me viro.