Olho de gato [#63]

  • 30 de junho de 2014
  • Categoria: Fantasia

Havia algo peculiar naquela bolinha de gude, algo que capturava a atenção de Julieta mesmo quando tinha sono ou estava doente. Os pais estranhavam. Ela dizia que ganhara na escola, achara no chão, fora presente de uma professora imaginária; a história sempre mudava. Mas parecia importante, muito mais importante que os ursos de pelúcia, as Barbies e as pulseiras de miçangas.

Certo dia levantou, apanhou a bolinha e ficou parada, reparando que pela primeira vez em anos a galáxia concentrada no vidro se mexia. Prestou atenção até o espetáculo terminar. Chegou antes dos pais na cozinha e pegou latas de atum e salsicha, pacotes de bolachas, milho e ervilha, um resto de estrogonofe. Tirou o caderno e os lápis da mochila e enfiou tudo ali, uma caixa de leite por cima. Os pais não repararam. Um beijo diante da escola e partiram.

Ela acenou enquanto viu o carro e depois se virou e começou a andar pra longe do portão. Chegou à região montanhosa nos limites da cidade e encontrou a caverna. Quando se acostumou com a escuridão viu os mais de duzentos gatos espalhados pelo chão e sobre as pedras, aguardando. Havia uma criança para cada felino, paradas feito estátuas, e apenas um grande gato branco e caolho ainda sozinho, encarando Julieta. Ela se aproximou e enfiou a bola de gude no buraco vazio acima do nariz. O gato piscou os olhos, revirou-os nas órbitas, lambeu os bigodes e observou-a abrir a mochila.

Quando se juntou às outras crianças, Julieta viu que o dono de sua minúscula galáxia estudava os alimentos que trouxera. Destampou a vasilha e mordiscou um pedaço de carne do estrogonofe. Sorriu e admirou seu exército.