Para o alto e avante! [#38]

Cantar a melodia alegre da missa dominical. Vencer as plantações de trigo num só fôlego. Com dois pulos alcançar as copas das árvores e deitar nas folhas sopradas pelo vento num ritmo manhoso.

Era o que Cark queria. Não foi o que aconteceu.

Presume que foram os primeiros traços da puberdade alterando os genes, cancelando a trava que mantinha os dons incubados. Livres de uma hora pra outra; uma posição de poder que não pode ser oferecida à mente ingênua de uma criança.

A canção da missa se transformou num dardejo ensurdecedor. Pássaros despencaram, peixes boiaram, ouvidos humanos se estilhaçaram em casulos de sangue. A corrida pelas plantações acabou numa fração de segundo, o trigo se erguendo furioso em seu rastro. As folhas das árvores repuxaram e foram cuspidas com o ímpeto da aproximação, troncos e galhos retorcidos.

Animado com os novos poderes, Cark não percebeu o que o estrago custaria à família. Quando pulou e não caiu a euforia o dominou de vez. Voou em círculos, imaginando que sonhava. A natureza se apoderou do esforço descomunal e um pequeno tornado ganhou corpo. Cark percebeu tarde demais o perigo deixá-lo e seguir por conta própria na direção do casarão da fazenda. Tentou pará-lo, mergulhando no centro e voando no sentido contrário, mas já não havia mais força para desafiar aquele monstro. Gritou até os pulmões arderem. Nada. A casa foi erguida aos pedaços. Os pais adotivos foram tragados e sumiram no turbilhão. O cachorro, Qritpo, subiu aos céus numa rajada, uma mancha bege e um latido doloroso.

Quando tudo acabou Cark Qent sentou e chorou. Nunca ajudaria os outros com seus poderes. Nunca salvaria o mundo. Nunca seria repórter em Metropo City. Construiu uma fortaleza no Ártico e passou o resto dos dias fazendo bonecos de neve.


*O Batman também já foi vítima no universo Flash Fiction. Confira AQUI.