Flash Fiction

- Você é destro?
- Sim.
- Com qual mão pega o sabonete?
- Direita.
- Hm.
- Hm o quê?
- Denota leve falta de confiança e inclinação ao sistema estabelecido. Você gosta de estar no controle.
- É só um sabonete. E se fosse com a esquerda?
- Excesso de confiança e inclinação ao improviso.
- Isso é psicobesteirol.
- Você concordou em fazer o teste.
- Certo, perdão.
- Qual o primeiro pé em que coloca a meia?
- Esquerdo.
- Hm.
- E agora?
- Adaptação calculada. Tendência a se alinhar com o lado vencedor. Ideologia fraquejante. Corruptível.
- Como assim?
- Seus trejeitos corporais contrariam o que disse. Diante da explanação anterior você deliberadamente alterou a segunda resposta para manipular esta aplicação. Isso está previsto nos parâmetros. Não minta.
- Qual o nome desse teste mesmo?
- Quando abotoa a camisa, começa pelos botões superiores ou inferiores?
- Inferiores. E agora?
- Resposta verdadeira. Tendências identificadas: insubordinação, tempo de resposta inferior ao mínimo exigido, procrastinação.
- Tudo isso pela ordem em que eu abotoo a camisa?
- E pela sequência de respostas e interjeições anteriores. Tudo conta.
- Que seja.
- Última pergunta: em que bolso coloca as chaves?
- Esquerdo.
- Hm. Saque da arma privilegiado, atenção aos detalhes. Seria muito útil como detetive, não como patrulheiro. Infelizmente o resultado geral não é satisfatório. Obrigado pela presença, senhor.
- Calma aí, já acabou? Eu preciso desse emprego. Vamos começar de novo, que tal?
- Próximo.

A pequena tampa na testa do androide abriu e o canhão mnemônico atingiu o cérebro da cobaia. Ela caiu desacordada, sem as memórias de todo o seu longo treinamento. O androide não tinha expressões, mas quase franziu o cenho, a preocupação latente. Pouquíssimos eram aprovados pela polícia hoje em dia, e sua cota estava terrivelmente baixa. A próxima cobaia entrou e sentou na cadeira.

- Você é destro?