Salgaderia

Quando a Salgaderia abriu não teve furdunço nenhum.

Dona Angélica perdeu o marido e ficaram os dois filhos pequenos para sustentar. O passatempo que levantava um extra virou profissão. Fazia de tudo pras festinhas de aniversário: enrolado de salsicha, kibe, esfiha, empada, pastel, croquete, coxinha, pão recheado. Também brigadeiro, beijinho, doce de leite, bolo e pão de mel. A mão doce parecia abençoada. Mas a cartela de clientes esporádicos era magra e não encheu o lugar no primeiro dia, na primeira semana, no primeiro mês.

Eles vinham sem muita pretensão, olhando desconfiados. O Mailinho da gráfica ajudou, fez uma faixa bem grande e bonita e colocou no topo do lugar, chamava a atenção. Era um imóvel pequeno e bem-cuidado, na esquina da rua da casa de Angélica, que ela arrendou por um ano com parte do seguro de vida do marido. Mailinho ajudou a pintar por dentro e por fora e recebeu tudo em salgado. Colocaram grama numa faixa da calçada, mudas de árvores, ar split lá dentro, uma estufa enorme pros salgados e outra pros doces, ajeitaram a cozinha no fundo, compraram um balcão bonito daqueles de padaria antiga, cheio de compartimentos pras balas e chicletes na parte de baixo.

No segundo mês as coisas melhoraram. Quem vinha voltava, falava, espalhava. A comida era gorda e recheada, o preço justo. O dono de uma cadeia de restaurantes comeu um pão de mel por acaso e passou a comprar mil por semana pras sobremesas. Os pais queriam salgadinhos pras festas, encomendavam, obrigavam Angélica a trabalhar até tarde. Logo o Mailinho tava no caixa da Salgaderia, carteira assinada. E duas meninas passaram a ajudar Angélica na cozinha. Um guri ali do bairro mesmo servia o pessoal nas mesas. E os negócios foram indo, crescendo.

Dona Angélica passou de carro naquela esquina esquecida, dez anos mais tarde. A Salgaderia já não existia mais, e ali morava um casal que não tinha muito cuidado com a grama, com a pintura, com as árvores. Mailinho, atrás do volante, perguntou se ela queria comprar o lugar, reformar, usar para alguma coisa. Angélica achava que memória tinha que ficar só na cabeça mesmo. Do jeito que ela lembrava era mais bonito. No banco de trás, Sandrinho riu. Tinha quatro anos. Não fazia a mínima ideia sobre o que os pais conversavam. Mas achou engraçada uma pichação no muro. Engastada como uma jóia entre seus dentes, um pedaço mastigado de frango, branco e viscoso, dava um vislumbre de uma coxinha da mãe roubada das cozinhas.

Era um sorriso inocente, mas coerente para o herdeiro de um dos maiores impérios alimentícios de seu tempo.

  • Loreci Demeneghi

    Fiquei encantada com esse texto!