Sobremesa de burguês tem gosto de felicidade

Tomé tem dois reais no bolso.

Senta na garupa do mototáxi. Sobe a Avenida do CPA até o Shopping Pantanal. Desce depois do ponto de ônibus, entrega o capacete, finge que vai pegar a carteira, sai correndo, vira na entrada e dispara rampa abaixo. O taxista não segue, não vai deixar a moto solta por uma corrida de 10 pilas. Tomé ouve os xingamentos. Rodeia o shopping pelo estacionamento, entra por baixo.

Na lotérica, pede pras senhoras (sempre elas) comprarem uma raspadinha, usando a melhor cara de cachorro atropelado. A terceira aceita, das baratinhas, se ele parar de encher o saco. Raspa na escadaria do lado de fora. Nada. Repete o processo, receoso de que chamem o segurança. Na segunda raspadinha a sorte: cinco reais. Sobe na praça de alimentação, quiosque da Baba de Moça. Vê o bolo de Leite Ninho com Nutella. Fala pra moça que só tem cinco reais. Mostra a nota roxa e aponta o bolo. Se a moça puder caprichar sem olhar na balança, vim a pé do centro só pra provar. Pede pra embalar bem, não vai comer agora. Ela fecha, enfia um garfo e uns guardanapos na sacola. Ele ajeita no fundo da mochila.

Desce as escadarias, volta pra entrada da lotérica, desce a rua contígua ao shopping até a avenida do Terra Nova e a praça. Sente o cheiro de comida das barracas. Passa reto, chutando grama, até o carrinho de churrasco grego. Pede pro senhor que está sozinho, sem clientes, se não tem um restinho de carne ali no fundo, ele tá com uma fome do cão. O senhor diz pra ele chispar. Tomé olha a escultura de carne rodopiando. Tio, só tenho dois reais. Tira do bolso. Será possível, o senhor acha, fazer um pra mim? O senhor reclama que o lanche custa cinco mas resolve que vai fazer metade do pão francês. Corta, deixa a bundinha, coloca vinagrete, atocha carne até cair pelo topo. Tomé senta na mesa de plástico e gasta metade do tubo de maionese temperada. O senhor olha de soslaio mas não reclama, se tem coisa que gosta é de ver gente comendo com vontade.

Tomé volta pra Avenida do CPA. Olha alguns mototáxis parados perto do ponto de ônibus dos prédios do governo. Mas não vai arriscar de novo. Daqui pro centro é só descida, pensa, e toma rumo, passando pelos postos de gasolina, pelos carrinhos de baguncinha, pelos restaurantes depois do viaduto, pela Mato Grosso.

Começa a procurar pelo Beco do Candeeiro, entra no calçadão, sobe até a praça da prefeitura, sobe a rua das óticas, encontra na praça perto do cemitério. Pede pra ela sair da roda de amigos, quer mostrar uma coisa. Vão até uma rua vazia, onde as árvores barram a luz dos postes. Abre a mochila. Marissinha não acredita. Entreouviram a conversa hoje cedo dos alunos do Colégio Isaac Newton no ponto de ônibus, discutindo as melhores sobremesas que já provaram. Marissinha come devagar, usando o garfinho plástico. Tomé prova só um pedaço, pra não dizer que nunca comeu do melhor bolo do mundo, a mão já amassando a bunda de Marissinha, a noite nunca foi tão boa.

  • Loreci Demeneghi

    Adorei, Santiago! Uma fábula, esse Tomé!
    Fiz todo o percurso junto com ele.
    E, juro, senti o gosto do bolo de Leite Ninho com Nutella!

    • http://flashfiction.com.br Santiago Santos

      Que bom, Loreci! E aí, o melhor do mundo? O da ficção é sempre mais gostoso, certo? Um bjo!