Tibúrcio, o pleonástico [#73]

- Ganhei de graça esse negócio que me deram e não paguei nada.

A frase era típica de Tibúrcio, um homem que achava elegante empolar suas falas com termos desnecessários e era adepto fervoroso do pleonasmo, talvez a mais exímia figura de linguagem já criada pelo homem, dizia. Toda vez que abria a boca, Graciliano Ramos se revirava no túmulo.

- Luís, Pra chegar lá você desce pra baixo aquela rua e vai ver com os seus olhos uma casa amarela na esquina. Aí você entra pra dentro do portão e bate com a mão na porta.

Não era uma questão de ignorância ou desleixo; ele gostava de exibir seus bem arregimentados apontamentos. Lhe custavam tempo, consideração demorada muitas vezes, e sentia satisfação imensa quando encontrava brechas para entoar seus hinos, como quando Fabiano caiu da bicicleta e cortou o joelho. Apontando o machucado, Tibúrcio declarou:

- Isso é uma hemorragia de sangue.

A bem da verdade, considerava que as outras pessoas não tinham originalidade alguma. Não encontravam maneiras diferentes de se expressar, era como ouvir papagaios recitando as falas de seus donos, um único formato que diferia apenas na velocidade e no tom. Que graça havia?

- Valério, puxa pra fora do freezer aquela estupidamente gelada que tá bem fria e enche o meu copo por dentro, faz favor!

Tibúrcio era figura tradicionalíssima, como era de se imaginar. Envelheceu e se tornou atração na cidade. Os turistas desviavam de seus passeios para conhecer o velhinho que vivia no alto da Rua Caetés, sentado em sua cadeira de balanço, fumando cachimbo, tomando tereré e distribuindo pérolas de sabedoria. Ele adorava receber os visitantes e não se incomodava com o apelido que fora cunhado para a sua pessoa em algum momento daquela trajetória linguística: Redúncio, por motivos óbvios. Não valia a pena se irritar. Sua filosofia de vida era positiva.

- A vida é simples, Honório. Basta observar pra ver significado nas coisas que nos fazem felizes de alegria. Eu mesmo, me contento em tragar pra dentro um cachimbinho e tomar com a boca um tereré, mordendo com os dentes um amendoim ou dois, vendo as horas passarem. Isso não é uma unanimidade de todos, claro, mas temos que conviver juntos, nos aceitar e suportar surpresas inesperadas de todos os lados. Às vezes achamos alguém pra compartilhar os dias, fazemos uma dupla de dois, mas nem sempre é assim, muitas vezes vivemos sós no meio de uma multidão de pessoas. Minha conclusão final é essa: as pequenas coisas é que valem, isso é um fato real. Ou você vive a vida plenamente ou se suicida a si mesmo.