Trecho da transcrição da entrevista com o professor Phineas Norton sobre o tempo [#135]

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- Tempo? O tempo é algo difícil de definir.
- Pode tentar?
- É claro. Imagine uma nuvem. Pense nela como um objeto tridimensional. Você pode percorrê-la de uma ponta a outra em linha reta, do ponto A ao ponto B sem interrupção alguma. Vamos considerar aqui uma velocidade única, uniforme. Para esse percurso simples você gasta 10 segundos. Mas a nuvem é um organismo complexo, vasto, cheio de curvas e reentrâncias. Se desejar, pode chegar do ponto A ao ponto B fazendo dobras e voltas, trilhando caminhos inexplorados, quem sabe percorrer completamente o restante de sua dimensão antes de alcançar o ponto final. E nesse caso o percurso pode durar horas, dias.
- Quer dizer que o tempo é elástico?
- Não o tempo. Ele está lá. A nuvem está lá, contínua, pronta para ser percorrida. O que muda é o percurso. É o piloto. É a compreensão que temos do tempo, a forma como o interpretamos.
- Mas professor, me responda: uma hora que passa no relógio não é diferente de outra hora que passa no relógio. Os ponteiros fazem a mesma volta no mesmo tempo. O que muda?
- Para o relógio nada muda. Mas para o ser humano é relativo.
- Pode elaborar?
- Imagine duas situações: em uma você está amarrado a uma cadeira num quarto escuro, ouvindo atrás de si uma torneira aberta, uma gota de água atingindo a pia metálica a cada três segundos. Em outra você está no cinema, assistindo um bom filme, comendo pipoca. Uma hora passada em qualquer uma dessas situações seria a mesma, no relógio. Mas seria bem diferente para você. Ela pode ser um sofrimento interminável, infinita, ou pode correr sem freio, fugaz.
- De qualquer forma, professor, por mais que a interpretação seja subjetiva, ela não afeta o mundo físico, certo? Por exemplo, se considerarmos dois homens, ambos nascidos na mesma data, há 60 anos, não importa a forma como ambos interpretam seu tempo de vida, hoje os dois teriam exatamente a mesma idade. O que muda?
- Do ponto de vista físico, excetuando as particularidades de cada organismo e de cada ambiente, nada. Mas considere que um passou a vida inteira trabalhando numa fábrica de pregos, limitando ao máximo sua capacidade de “expandir” o tempo, limitando-se nas horas livres a formas mínimas de abstração. Já o outro trabalhou como ilustrador, obrigado a mergulhar nos recessos de sua imaginação, e usou as horas livres para ler, divagar, filosofar. Entenda que não é uma questão profissional, de oposição entre trabalho manual e mental. E sim a maneira como o indivíduo encara o tempo que tem disponível, como pode fazer para alongar os minutos dentro de sua própria existência, como furtar-se a questões que representam progressões geométricas, longos percursos. Compare o tempo de vida de ambos desse ponto de vista, do tempo subjetivo, e me diga, com sinceridade: quem você acredita que viveu mais? Quem se tornou mais sábio?
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