Apego

O look é o seguinte: camiseta do Iron. Camisa xadrez por cima. Calcinha do ursinho Pooh. Meia-calça. Calça jeans estonada. Meia vermelha do Red Hot e outra verde do Greenpeace. All Star. Chapéu. Xuxinha. Pulseira de espinhos. Relógio falsificado. Anel de cobrinha que dá três voltas e come o próprio rabo. Lenço no bolso.

Tô assim há dois meses. Quando começa a feder jogo tudo na máquina e na secadora. Fico pelada no meio-tempo. Sou muito apegada. Por isso parei de fazer amigos. Não quero usar mais coisa.

A camiseta do Iron minha vó me deu, pedi do Guns mas se era preta e de banda dava no mesmo pra ela. A camisa xadrez ganhei do vô por causa do Ed Vedder, grunge em alta, todo mundo usava. A calcinha foi presente do Lucas, meu primeiro namorado. A meia-calça é da época que a Luciana trabalhou na Riachuelo, fez desconto, levei duas. A calça jeans a mãe comprou na Hering de natal e só usei na festa da virada, quando fiquei com o Rodrigo. Ganhei a meia do Red Hot antes dele viajar pra San Francisco, pro intercâmbio. Disse que me amava mas conheceu uma coreana.

Visitei a Luciana em São Paulo. Num barzinho da Vila Madalena conhecemos um grupo recém-chegado de viagem com o Greenpeace, se mobilizando contra a matança dos animais marinhos. O Joca era barbudo, olho bem azul, peludão. Foi minha primeira vez no motel, fiquei encantada, odiava fazer no carro. Ganhei um Sonho de Valsa quando pagou a conta e a meia verde pra lembrar dele, ia embora pra Santos pegar outro navio. O All Star minha madrinha trouxe de Nova York no aniversário, modelo inédito por aqui. O chapéu foi a Maiara, fascinada pelo Stevie Ray Vaughan. Pediu na internet com a Fender Strato mas ficava grande na cabeça dela. A xuxinha guardei da Janaiara, a babá que me criou até os seis anos. Única lembrança, não tive mais notícia.

A pulseira troquei por uma correntinha com a Grenda, no show do White Stripes. Nunca dei bola pra menina mas ela me surpreendeu, beijava bem. O relógio eu roubei. Do camelô. A Daiana queria fazer uma loucura e entrei na onda. Passamos na banquinha, a dona de costas conversando, catei o relógio e ela um radinho. Outro dia voltei, comprei um despertador, passei dinheiro a mais e saí antes de receber o troco. O anel ganhei do Rolando dentro de uma caixa junto com O Hobbit, do Tolkien. Ele era o mestre do nosso grupo de RPG. Afinzaço, mandava cartinha e tudo. Nunca dei moral. Muito feio. Tadinho, me tratava tão bem.

Meu pai tinha rinite alérgica, vivia espirrando, sempre carregava um lenço no bolso. Esse aqui eu peguei antes da mãe juntar as coisas pra doação. Câncer acaba com a pessoa. Dois meses já. Tô levando.

  • Mario Bilégo

    Muito bom cara!

    Parece até um texto bobinho a princípio, e depois surpreende!