Barbeiro [#198]

- Pode sentar. Que vai ser?
- Barba e cabelo. Três dedos, a barba tira tudo.
- Deixa eu pegar a espuma. Isso. Gosto de começar por baixo. O senhor eu nunca vi antes. Vive do quê?
- Peles. Carneiro, onça, vaca, capivara. Tapete, casaco, colcha.
- É mesmo? Não vi a mercadoria, só o cavalo.
- Vendi tudo em Cotriguaçu.
- Conheço. Longe daqui. Mas Colniza é longe de tudo. Voltando pra casa? Ou atrás de mais mercadoria?
- Os dois. Pretendo atravessar a fronteira. Ouço história de tudo que é bicho no Amazonas.
- Unhun. Parado, faz favor. Isso. O senhor tem esse furinho no queixo, tem que tirar com cuidado. Agora o cabelo. Três dedos?
- Isso.
- Olha, se conselho fosse bom não era de graça, mas acho que não custa dizer pro senhor tomar cuidado. Muito fora da lei por essas bandas. Se pegam um cabra sozinho no meio do mato não deixam nem a roupa do corpo. Nem aqui na cidade rodeado de gente dá pra fechar o olho.
- Sei dos riscos.
- Já viu na parede, aqui atrás? Olha. O Carniceiro, chamam ele. Carniceiro porque–
- Corta o pescoço e abre o bucho na faca.
- Eu– Não–
- Continua o serviço. Com calma. Tá quase acabando.

O barbeiro continuou. A tesoura roçava o couro cabeludo, tão perto, as pontas afiadas sugerindo– Mordia os beiços. No fim se afastou, não disse nada.

- Muito bem. Mil cruzeiros, é? Tá aqui o dinheiro. E um extra pelo serviço bem feito.
- Ob– Obri–
- De nada. Agora senta aqui na tua cadeira. Eu já tô de saída. Aproveita que tá ficando velho, descansa. Se o cabelo crescer demais faço outra visita.

O barbeiro obedeceu, sentando na cadeira quente, cheia de cabelo. Viu o homem galopar cidade afora. Demorou uns cinco minutos para parar de tremer as pernas. Ainda segurava a tesoura.