Cabeça de vento
Quando vi aquele pedaço de cérebro sabia que ia dar merda.
Enfiei o cotonete, girei e recebi uma mensagem no celular. Me distraí. Resvalei na porta do box e bati a cabeça na parede. O cotonete entrou. Quando puxei veio o pedaço junto. Coloquei na gaveta. Precisava trabalhar, depois olhava. No dia seguinte fui limpar e saiu outro pedaço.
Juntei uns trezentos pedaços em cinco canecas. Peguei cola e comecei a encaixar, um por um. No fim o cérebro todo. Foi uma alegria. Completinho. Comecei a ter uma dor de cabeça insuportável e descobri que uma formiga entrou na gaveta e tava andando em cima dele. Passei inseticida pra não ter mais problema.
Na TV o apartamento de um homem pegou fogo, deixou o gás do fogão ligado sem querer. Pensei que se o mesmo acontecesse comigo eu tava ferrado. Coloquei o cérebro numa caixa, fui no banco, disse que queria guardar numa daquelas salas ultra confiáveis em que guardam joias e documentos raros. Fizemos o contrato pra uma gaveta bem espaçosa.
A vida ficou mais fácil, mais leve. Sempre que precisava de um pensamento profundo ou uma lembrança longínqua eu entrava em estado de meditação, acessava o cérebro e obtia as respostas. Pensei em dar a dica pros amigos, era uma ótima ideia, mas não me levariam a sério. Aí uma bela manhã resolvi limpar o umbigo. Tocou a campainha. Bati na porta da geladeira. Quando puxei, veio um pedaço do intestino.
Pensei no preço do aluguel no banco.
Joguei todos os cotonetes fora.