Caveira falante [#173]

  • 1 de julho de 2014
  • Categoria: Fantasia

Sonia deu um passo pra trás, tampando a boca, horrorizada. Não tenha medo, disse a caveira. Sou os restos mortais de Eduardo Batistella. Eu só tenho um pedido a lhe fazer, bisneta.

Sonia se agarrou ao encosto da poltrona buscando o conforto de algo sólido, algo imóvel, sentindo a bile tórrida subir pela traqueia e congelar no céu da boca. A caveira, a insistente e horripilante herança, exigência do avô para que nunca fosse removida da mansão, falou. Sonia olhou ao redor, buscando os filhos, as empregadas, os cachorros. Nada.

Não tenha medo, voltou a dizer a caveira. Não adiantou. Sonia caiu, sentindo uma pontada aguda no peito. O punho fechado que pulsava atrás das grades das costelas tropeçou, se agarrou às veias e ficou dependurado. Ela buscou o ar e as partículas de pó que boiavam na frente dos olhos mal se moviam, os pulmões fraquejantes murchando e cedendo. Se virou num espasmo, as mãos apertadas contra o peito, forçando a pele, os seios, esperança de que o motor pegasse no tranco.

Bisneta?, disse a caveira. Eu não tenho mais olhos, por favor, diga algo. Diga que está me ouvindo. Não posso fazer isso por muito tempo.

O teto escureceu, a força se esvaiu de vez, os braços dormentes e o pescoço travado. Sonia deixou a orelha colar no chão e ali ficar, parada, esfriando.

Sabe o que é, querida? Eu não queria te assustar. Mas por gentileza, a sua faxineira nova. Diga a ela. Óleo de peroba não. Por favor.