Comemoração [#98]

Ouço suas lamúrias com nojo crescente. Na sacada, esperneia sob um céu anil de fim de tarde, as mãos na cintura, verificando desiludido a arma de combate. Os pelos fedidos e emaranhados nas costas me dão repulsa.

Eu e Adala, na cama, resumimos a perfeição conceitual de beleza e promiscuidade da época. É difícil até para mim resistir à tentação do beijo na boca de lábios carnudos e macios da minha comparsa. Seios redondos e avantajados, cintura fina, pés e mãos pequenos e delicados, bunda redonda e tenra. Meu Deus, seu sexo descoberto me faz suar na nuca, pensando quantas maravilhas minha língua poderia fazer ali. Sei que ela sente o mesmo por mim. E sei que ele sente.

Agora se vira, o membro flácido num ângulo estranho. Vejo a ruína em sua face embora a tentação brilhe nos olhos. Vejo desgaste, o vigor esgotado na tentação do ato corriqueiro e agora inalcançável. Eu e Adala não disfarçamos a impaciência. Tento transmitir desejo, mesmo segurando o vômito, e lendo minha intenção volta seu olhar outra vez para fora, pra cidade que começa a se iluminar lá embaixo.

O grito ecoa, o rugido de um homem morto por dentro, incapaz de provar seu direito de ser homem. A idade alcançada rouba a luxúria da auto-estima. Enquanto se joga por cima da grade, penso se realmente vale a pena perder a vida por esse tipo de vergonha, inerente a todos eles com o decorrer do tempo. Quando ouvimos seu corpo se estatelar na calçada, já tenho os dedos entrelaçados sobre a constelação de prazeres de Adala. Ela aperta forte o bico do meu seio e finca as unhas nas minhas coxas. Sobre a mesa as peças de ouro do homem que sonhou ser pássaro fulguram, lindas.