Das facilidades do amor

Amor, tenho que te falar uma coisa. Pode ficar deitado.

Quando a gente se conheceu aquele dia na Nuun eu tava muito bêbada. Nem lembro o que a gente conversou, qual foi a cantada, se teve cantada, se não teve. Tenho certeza que você não foi o primeiro que eu beijei. No outro dia acordei na tua cama, lembra? Tava assustada porque não te reconheci. Não acreditei quando saí andando pela casa. Acordar sem querer com um cara gato e rico? Muita sorte.

Lembro que nem me aguentei de felicidade no trabalho. Tava transbordando. Depois do almoço apareceu um senhor pra comprar lingerie pra esposa dele. Eu sabia que pra esposa não era, poxa, a gente sabe, mas fica quieta. Ele disse que ela tinha um corpo igual o meu, mesma medida, e pediu pra eu provar e ver se ficava bom, com a bundinha empinada e tal. Cantada no serviço era café com pão, mas naquele dia eu cansei e pedi as contas. Porque eu tinha você, coração, e não tinha mais que me preocupar com aquilo.

Lembra quando mudei pra cá? Então, não demorou, eu não tinha muita coisa, só uma mala cheia de roupa. Desfiz o contrato na quitinete e dei os gatos pra minha vizinha, eram mais dela que meus, mesmo. Prometi que pra Lixeira não voltava mais, aquele esgoto aberto no meio da avenida sempre me incomodou.

Contigo a vida é outra, nego. Eu sei. Eu sei que você só quer o meu bem. É por isso que tô contigo. Olha, é fácil acostumar com a vida de salão e cachoeira na Chapada e almoço no mirante todo dia. Mas até o teu dinheiro, que não é pouco, acaba. Não tô reclamando. Só tô dizendo que a gente tem que encarar a realidade da vida em algum momento. Tudo que é bom acaba.

Fiquei meio chateada quando vendemos a S10, mas pelo menos ainda tinha a EcoSport. A TV a gente nem usava mais. O notebook só pegava pó. A geladeira, pra quê, né, se agora a moda é comer fora. Mesma coisa com fogão, microondas e o resto. Teus perfumes não fizeram falta porque, ah, meu Deus, você sabe como eu gosto de cheirinho de homem. As cristaleiras da tua mãe, bom, ela já morreu.

Não ia demorar pra gente chegar à conclusão que a casa é grande demais, querido. Não sei se você pensou em família quando comprou ela, se tava com outros planos em mente, mas aí me conheceu e sabe o que penso, que engravidar é uma coisa terrível que destrói o corpo da mulher, e criança é uma obrigação pro resto da vida. Então eu decidi. Uma casa menor, menos sujeira, aluguel mais em conta.

Não quero que você fique chateado. Você vai sempre tá comigo, coração. Não me leva a mal. Eu sei que você gosta tanto daqui que eu pedi pro Jairo te enterrar no jardim. Não fica triste, é que com esse fedor quem é que vai comprar essa casa linda? Brigado por tudo, viu.

Jairo, pode levar.