Dia do lixo [#44]

Vou no shopping olhar umas camisetas, comprar um chinelo e bater a janta no anonimato das mesas padronizadas. A espiral de destruição começa com o restaurante novo na praça, frente decorada com guitarra de néon e fotos surreais de comida. Imperativo um test-drive. Pego o cardápio. Costelinha com molho barbecue e fritas. Uma porção de onion rings também; não pedir a primeira coisa que chama a atenção no menu dá azar. E um chope. Espero olhando o Face no celular. Quando sai busco no balcão e sento na mesa mais afastada; ninguém tem que me ver rebaixado a um animal lambuzado privado de raciocínio. Faço o estrago, lenta e sistematicamente. Outro chope pra assentar tudo.

Saio de lá, compro 2 camisetas. Passo na frente do quiosque da alegria. Milkshake 700ml. Entro na livraria, olhando os mais vendidos enquanto boca, garganta e cérebro congelam. Compro o chinelo. Outra volta e passo na frente do café. Já tô satisfeito, mas pô, quanto tempo que não venho no shopping. Peço um quibe com catupiri e um suco de laranja. Refrigerante não, engorda. Pra encerrar um pavê de bolacha, todo mundo sabe que é o único jeito decente de encerrar. A balinha de menta é pro caso de encontrar algum conhecido a caminho do carro. Equilibro a pança inchada com destreza até o estacionamento. Me jogo de lado no banco e o estômago ruge.

Acelero na ânsia de chegar em casa, os olhos quase saltando pra fora do corpo inchado. Pra que comer tanto? Quero voltar no tempo. Piso fundo mas não tem jeito. Sou obrigado a parar no primeiro posto de gasolina. Quebro a porta do banheiro numa ombrada violenta, xingo o desgraçado que deixou um presente, dou descarga e monto o jogo da velha com papel higiênico cruzando as pernas, fazendo careta, cuspindo um pai nosso pelos lábis espremidos, arrepiando até o pelinho do dedão do pé. Sento e deixo o espírito maligno que me possuiu ser exorcizado.

Nunca mais. Prometo. Tá, não é a primeira vez que prometo isso. Mas tem que ser a última. Por Deus, tem que ser a última.