Do contra [#18]
Um dia ele acordou de pá virada. E percebeu: o sol era seu inimigo.
Decidiu que viveria apenas na noite. Se trancava no apartamento quando o dia estava perto de nascer e só saía quando o sol já descera.
Teve que se acostumar. Achou um trabalho perto de casa, pra não correr o risco de ficar muito exposto à qualquer infortúnio. Porteiro de hotel. Entrava às 8 da noite, saía às 4 da manhã. Fazia compras antes do serviço.
Fechou as janelas do apartamento com papel de parede. Ignorou qualquer coisa que devesse ser resolvida em horário comercial.
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Depois de três anos não dirigia mais, porque não renovara a carteira. Não comia mais churrasco, porque tinha medo de comer carne de sol por engano. Fizera novos amigos, porque os antigos dormiam à noite. Ficara doente e pálido, porque não dispunha mais dos efeitos benéficos da exposição direta ao sol.
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Depois de cinco anos estava entrando em depressão. Mas não sabia o que fizera de errado. O papel de parede da janela do seu quarto estava ressecado e um dia rachou, abrindo um pequeno rasgo.
Quando acordou ele viu o raio de sol do fim do dia atravessando suas proteções e atingindo sua pele nua. Gritou, esperneou. E viu que nada acontecera. Então se tocou de que estava errado esse tempo todo. O sol não era o seu inimigo, no fim das contas. Era a lua.
Mudou de vida.