Dondoca [#196]
Pego o celular quando o André tá tomando banho. Uma mensagem. “A gente vai se ver hoje, gato? Me liga. Mô.” Volto pra cama, finjo que não acordei. Ele sai, troca de roupa, me dá um beijo. Bom dia amor, já vai? Já, tô atrasado. Escuta, ontem ligou uma mulher procurando você. Mônica, o nome dela. Mônica? A cara dele fica branca. A Mônica é do trabalho, um escritório lá de São Paulo, tão ajudando a gente em um processo. Vou ligar pra ela. Tchau, até mais tarde. Desgraçado. Mentiroso. Depois que vai embora eu tomo banho e choro por uma meia hora. Como pode ser tão descarado?
Acordo o Fabio e a Val. Enquanto se arrumam faço os sanduíches e coloco nas lancheiras. Deixo eles no colégio pensando no André com a sirigaita. De lá pro salão, pé, mão e cabelo. Almoço no Vivelé com a Sônia, ela conseguiu mesa. Pedimos champanhe, mas só uma garrafa. Comento minha suspeita, seguro o choro pra não borrar a maquiagem. Ela me consola. Calma, isso passa. Vou pra casa e descanso um pouco.
Me troco pro Pilates, o professor me elogia, fico mais alegre. Na academia faço vinte minutos a mais de esteira pra desestressar. Busco as crianças na escola. Passo no mercado, compro lombinho pra fazer assado. Fabio e Val brincam no jardim. Peço pra não entrarem na piscina, ficarem só no campinho ou na quadra de squash. Faço a carne com raiva, ansiosa pra saber se ele vai chegar no horário. Atrasa quarenta minutos. Chega impecável, como é de se esperar, me dá um beijo, toma um banho rápido. Dou uma escapulida e olho o celular. Ligação feita pra um número estranho uma hora e meia atrás. A sirigaita.
Engulo o choro, apronto a mesa, comemos todos juntos. As crianças vão dormir. Ficamos no sofá, eu assistindo novela enquanto ele checa os e-mails no notebook. Espero algum pronunciamento, uma conversa que seja, mas da parte dele nada. Quando acaba o jornal vamos pro quarto. Coloco a camisola, escovo os dentes, deito. André me abraça e beija mas não quer nada. Vira de costas. Choro de novo, não consigo aguentar. Encosto minha cabeça na sua e tento dormir, sentindo o cheirinho mentolado do shampoo anti-caspa. Vou falar o quê? Não quero perder a vida que tenho.