Fontes

Faltava algo.

A pauta era a reforma dos pontos de ônibus numa grande avenida da cidade. Leu, releu, checou as três fontes citadas. O primeiro era o presidente do departamento de mobilidade urbana, o segundo um usuário do transporte coletivo e a terceira uma comerciante com loja em frente ao ponto mais depredado. Todos festejavam a iniciativa. Estava doce demais, um melado enjoativo, chapa branca. Faltava o tempero, mas não conseguiu o depoimento que queria e não podia transformar a reportagem em artigo. Pensou num motorista de ônibus, seu Alves Mendonça, cinquentão, cansado da vida, do trabalho mal remunerado e desgastante. Meteu ali no fim, fechar com uma pimenta. “Alves Mendonça, 51, motorista de ônibus há mais de 30 anos, no entanto, diz que as reformas não podem roubar o foco dos outros problemas. ‘O que a população tem que enxergar é que falta muita coisa. Renovar e aumentar a frota, capacitar os funcionários, adequar o salário e cuidar do asfalto, que tá sempre esburacado’”. Matéria publicada, tapinha nas costas.

No dia seguinte foi a greve dos taxistas. Filas quilométricas no aeroporto, recém-chegados brigando pelos 30% da frota ativa. De um lado os passageiros irritados e indignados, isentos de culpa, e do outro os taxistas, as reivindicações da categoria e as histórias escabrosas. Escreveu, tesourou aqui e ali, jogou um parágrafo pra baixo, outro pro limbo. Faltava o tchan, o crau, o pimba. Respirou fundo e metralhou o teclado. “No meio do fogo cruzado, Adoniran Chaves, 28, funcionário do aeroporto, atentou para outro aspecto da situação. ‘O que me parece estranho é que ninguém anda discutindo a melhoria do transporte coletivo, o VLT que nunca saiu do papel, o metrô que iam começar a fazer. Se o transporte público fosse de qualidade, não dependeríamos tanto assim dos táxis e dos carros particulares’”. Tapinha nas costas.

A próxima pauta foi a cobertura da final do campeonato estadual de vôlei. Assistiu, entrevistou os jogadores, técnicos e torcedores. Na redação estruturou tudo já com a lacuna em mente. Lembrou da senhora vendendo pipoca na entrada do ginásio. “Teresa Batista Souza, 62, ambulante, comentou que os jogos aquecem o mercado. ‘É uma alegria só. O pessoal vem, torce, se diverte e compra comida e bebida. Tem que fazer mais campeonatos como esse, apoiar o esporte no Estado. Acaba fortalecendo toda uma economia em torno do evento.’” O discurso soou acadêmico demais na boca daquela fonte, mas era o tom balanceador que procurava. Tapinha nas costas.

Quando a bomba explodiu, já defendera boa parte das causas em que acreditava. Pelo menos duas centenas de matérias contavam com seus personagens pontuais. A reclamação feita por uma empresa, cujo funcionário citado não existia, levou à confrontação com o repórter, que cedeu. No dia seguinte publicaram a errata. Foi despedido sem alarde, na tentativa de manter a credibilidade do jornal inabalada.

Não achou ruim. Estava prestes a pedir as contas. Encontrou a verdadeira vocação se esquivando da ditadura da verdade. A resposta da editora chegara na semana anterior. Romance de estreia aprovado para publicação. Tapinha nas costas.