Forrábia

A Mustangueira durou uma apresentação. Mas foi uma escola. Aprendi que se queria fazer banda, tinha que fazer com pessoas em quem eu confiava. Chamei o Dan pro baixo, o Vini pra batera e o Jones pra guitarra e nasceu a Forrábia. Eles eram velhos parceiros de conversas até altas horas sobre música nos shows e festivais. Cada um tinha uma fixação. Com o Dan era Queen, o Vini Black Sabbath, o Jones Deep Purple e eu Led Zeppelin. Era uma coisa bonita no palco, os três segurando a onda e a menina rasgando a voz, pulando e se debatendo.

Rolava uma sintonia. Nos ensaios, papos furados, cervejadas. Todo mundo queria viver disso, fazer show, lançar CD, se apresentar em qualquer lugar e respirar música. Passamos um ano mais ou menos enfurnados na garagem do Vini, compondo e gravando no computador dele. Tocamos em festas, festivais, chegamos a abrir pro Sepultura quando vieram pra cidade. Aí conversamos com o Lopes, amigo das antigas que montou estúdio, e gravamos um CD, catorze faixas. Além dessas tínhamos mais umas vinte, fora a pancada de covers. Tocando tudo de cabo a rabo dava umas quatro horas. Isso se o pessoal não empolgasse nos solos e deixasse o trem correr. Mas a gente não queria imitar o Hendrix com os solos de dez minutos ou o Dream Theater com as músicas de meia hora. Era uma coisa mais tradicional.

Na época todo mundo estudava na facu e morava na casa dos pais. O Vini e o Jones trabalhavam meio período numa loja de instrumentos musicais. O Dan estagiava num jornal. Eu era faz-tudo numa gráfica. A gente sentou uma noite, conversou sério, falou em investir, trasformar os sonhos em realidade mesmo. Juntamos as economias e prensamos 3 mil CDs, fizemos camisetas, adesivos, bottons e bonés. Bolamos um site, disponibilizamos as músicas e agilizamos o corre. Começamos em julho, pra pegar o segundo semestre. Todo mundo largando emprego e trancando faculdade, vivendo de banda, vai que dá. Era show todo final de semana, montando banquinha, vendendo os produtos, guardando o dinheiro pra investir de novo. Fechamos shows em São Paulo, fomos, ficamos um mês de um lado pro outro, tocando em qualquer buraco, ganhando lugar pra ficar, comida e alguma miséria mas ganhando, tocando, vendendo. Dali pro Rio, pro Espírito Santo, Paraná, Goiás, de volta pra São Paulo. Acabaram os CDs e as camisetas, mandamos fazer mais.

Foi uma loucura bem foda. Conheci mais gente em seis meses do que vou conhecer no resto da vida. Topei com muito nego doido, maconha era água, bebi pra caralho. Evitei o resto, na medida do possível. Dormi mal, no canto que arranjassem, lavava as roupas quando dava, comi muita besteira. Deu pra mostrar o nosso som, divulgar e aparecer. Mas no fim dos seis meses a gente percebeu que não dava pra viver assim. Talvez estivéssemos esperando alguma gravadora vir e encher o nosso toba de dinheiro e pronto, mas isso não acontecia mais. Quando voltamos pra nossa cidade no fim do ano a Forrábia tava acabada embora ninguém quisesse dizer. Eu peguei os três da banda em momentos diferentes e dava pra sentir a tensão crescendo. Devia ter ficado na minha. Foi legal pra caramba, aquela aventura bonita, mas eu tava esgotada, sem ânimo pra discutir com o meu pai quando ele chegou com aquele discurso de voltar a estudar, arranjar emprego, viver a vida normal, casa e carro e filho.

Cada um seguiu um caminho. De música ainda vivem o Jones, que se formou e dá aula na universidade, e o Vini, que é músico na noite, toca em barzinhos, formaturas, onde chamarem. Vira e mexe alguém das antigas casa ou tem filho ou inventa de fazer aquele aniversário pra juntar todo mundo. Sempre aparece um com a camiseta da Forrábia. E a banda sempre é assunto. A gente relembra, sente orgulho, bate no peito, se pergunta porque não fomos em frente. Mas no fundo nós quatro sabemos. Mais um minuto juntos e virava guerra. Depois disso é que você abaixa a cabeça e olha Rolling Stones, Rush, Iron Maiden e companhia, esse pessoal que toca junto há mais de 30 anos, e admira. Não só porque o som dos caras é foda pra caralho. Mas porque eles ainda se aguentam.