Foufai publica um tratado
Fui visitar Romena, que eu não via desde o coquetel de lançamento do livro de Foufai, um tratado sobre os limites do espaço e do tempo. A obra estava na minha cômoda há semanas, mas ainda não havia tido tempo de ler, ironicamente. Romena, além de grande amiga, era fonte confiável em todos os assuntos relacionados ao plano metafísico, e eu precisava entrevistá-la para complementar alguns tópicos da minha palestra marcada para o final do mês na universidade.
Romena morava na cobertura de um prédio próximo, e com minha luneta era possível ver as particularidades de muitas sacadas, incluindo a dela. Uma visão costumeira era a de Romena tomando o seu café às 6 em ponto com um jornal aberto nas mãos. Há vários dias a procurava e não a via. Cruzei a rua e pedi para o porteiro interfonar e avisar da minha visita, já que se recusava a atender o telefone. Foi o que aconteceu também com o interfone. Uma velha conhecida, de vezes em que Romena saiu do táxi apoiada em mim e cambaleou até o elevador, o porteiro me permitiu subir, desde que levasse uma braçada de cartas e encomendas comigo.
Bati algumas vezes e aguardei. Testei a maçaneta. Passei a olhar os remetentes das correspondências, distraída. Entre elas havia uma caixa enviada por um viveiro do Paraná. Ainda sem resposta, procurei a chave reserva na portinhola da mangueira de incêndio e a encontrei enfiada em uma dobra. Da porta para dentro, o apartamento parecia um pedaço transplantado da floresta amazônica. Entrei, com as correspondências debaixo do braço. Cheguei à sala, ou ao que eu imaginava ser a sala, um emaranhado de árvores e chão lodoso com mosquitos insistentes rondando meus ouvidos e passarinhos cantando à minha volta. Havia trilhas identificáveis, mas paredões de galhos e arbustos impediam a passagem.
Abri a caixa do viveiro e dentro havia uma daquelas enormes tesouras de aparar ramos. Com ela abri caminho.
Não levei muito tempo para encontrar a cabana de Romena. Ela estava sentada numa cadeira de madeira, com os pés apoiados em um tronco seco, e se assustou quando me viu brotar do paredão verde. Parecia velha, mas feliz. Me cumprimentou e levou para dentro da cabana e apresentou o marido e as três filhas pequenas. Lembro que foi um dia agradável. Pescamos no rio ali perto, ajudei a construir a casa na árvore que preparavam como surpresa para as crianças, exploramos a mata até alcançar um despenhadeiro, de onde era possível ver o céu e sentir o cheiro salino do mar, e fizemos armadilhas para capturar uma capivara que comemos na janta.
Só depois que os pequenos dormiram Romena me esclareceu as dúvidas a respeito da palestra. Depois leu as cartas e respondeu algumas, que eu levaria à agência postal em troca da consultoria que me prestava. Hesitei longamente antes de lhe dar as costas, considerando o tempo necessário para construir uma segunda cabana, mas acabei refazendo o caminho até a porta, guardei a chave no esconderijo e desci até a portaria, onde aproveitei para quitar os aluguéis atrasados de Romena com os dividendos da venda de sua produção de óleos artesanais.
Ainda voltei a vê-la algumas vezes, mas encontrá-la naquele lugar me perturbava muito, me fazia repensar minha vida e questionar por qual motivo eu não a abandonava e me juntava àquela primitiva e feliz empreitada. Eventualmente desisti das visitas e minha rotina voltou à sua confortável normalidade.
Resolvi não ler o livro de Foufai. Também decidi não ir ao lançamento de sua próxima obra, com receio de que pudesse encontrar outra boa amiga só para perdê-la, no fim das contas.