Friadje

Do sol ninguém se salva. Debaixo de nada, coberto de tudo. É sopro cangaceiro que se ergue do asfalto mordido e venta na fuça. É bafo de deus quando come alho. É um baguncinha na chapa com você de hambúrguer. Até que num respiro ou outro, prova de que a Terra gira, ainda que lentamente, baixa um sopro contente e cuiabanada toda encasqueta de tirar as mangas longas da tumba.

Não é estação, que aqui só tem aquela de assar passarinho, é tranco mesmo, é arrego que vem lá das profundezas e dura dois, três dias. O frio encolhe tudo. Encolhe as mesas dos botecos, encolhe as risadas que nego não quer friagem na gengiva, encolhe a mosquitada que faz festa em qualquer canto, encolhe o bolso quando o casaco do outro ano não passa na barriga, encolhe aquilo que cê tá pensando também.

Tem de tudo aqui. Uma cidade de paus rodados não seria diferente. Há quem odeie essa folga. Há quem desista de ir embora por causa dela. Há os que caminham por aí ignorando os desgraçados tremeliquentos embaixo dos viadutos ou encolhidos nos banquinhos da praça ou amontoados nas reentrâncias do centro, tentando agarrar esse vento estrangeiro pelo pescoço, reparando que Cuiabá trocou de xampu. Há os que se contentam com um escaldado, um filme e um cobertor.

Mas não há há que dure. Aqui o frio corre duro.