Heineken [#113]
Acordei quando uma meia caiu na minha cara. A outra continuava pendurada no ventilador de teto, rodando no slow. A dor de cabeça tava foda, um tum-dum constante que chegava a cegar o olho esquerdo. Senti as costas suadas e desgrudei de algo quente. Quando virei era uma mulher nua dormindo de conchinha, abraçando outra mulher. Sentei no colchão, levantei espreguiçando. Reparei nos hematomas no braço e no peito. Uma marca de mordida funda na barriga. Arranhões de unha nas pernas. Falando em unha, faltava a do dedão direito, uma camada de sangue seco no lugar.
Roupa pra tudo que é lado. Tropecei em algo vivo tentando chegar no banheiro. Liguei a torneira, joguei água na cara e senti um troço estranho na sobrancelha. No espelho vi um piercing ali. O cabelo raspado. Um coraçãozinho tatuado no lóbulo da orelha. Puta merda.
Voltei pro quarto pra ver quem eram as mulheres. A primeira conclusão é que a mais próxima não era uma. Levei a mão à bunda. Sentia mesmo umas dores ali, tanto quanto no resto do corpo. Na mesa de cabeceira três camisinhas usadas jogadas por cima do alarme. Duas garrafas de champanhe vazias na gaveta. Um manequim de peruca e batom no canto. Caralho. Achei minha calça. Celular e carteira ainda nos bolsos, não sei como. Quando abri a porta entendi o motivo de tanta roupa. Uma menina oriental e um senhor, dormindo encostados na parede, pelados. Fui pelo corredor com cuidado, desviando dos vibradores e dildos.
Na sala do apartamento contei por cima dez pessoas. Mulheres e homens. Um gato andava de um lado pro outro. Cerveja, vinho, uísque, muita garrafa espalhada. Trilha de cocaína intocada no balcão da cozinha, perto de uns comprimidos. Cheiro forte de maconha. Desviei da poça de vômito, achei uma camisa que me serviu e um par de sapatos. Saí, peguei o elevador, desci até a recepção, perguntei em que cidade eu tava. 120 km de casa.
Pedi um táxi pra rodoviária. Entrei, conversei com o taxista. Abri a carteira e nada, só cartão. Saquei dinheiro no caixa eletrônico. Tirei o extrato e de quatro mil me sobraram cem. Paguei o homem, comprei a passagem e entrei no ônibus, agora pobre de vez. Sem sono, tentando ignorar o neném chorando no colo da mulher ao meu lado, percebi um escrito meio apagado nas costas da mão, “Vanessa 99001231 me liga”. Puta que pariu.
Não devia ter tomado aquela última Heineken.