Impostos matam [#147]
Escovei o balde por dentro e por fora, pinguei álcool e esfreguei até a sujeira evaporar. Depois mais álcool e esfreguei de novo. Queimei a escova e o pano.
Abri as portas, passei reto pelas sentinelas imóveis, agachei diante do trono e aguardei as ordens. A princesa me pediu para encontrar seu pai, perdido nas montanhas a oeste. Respondi que o traria antes que o sol nos abandonasse. No estábulo, o mais forte dos cavalos relinchou; sabia que se tratava do rei. Seguimos debaixo de chuva, parando num riacho para molhar a garganta. Alcançamos a clareira. O monarca estava ajoelhado diante da pedra, mãos entrelaçadas.
Suplico que me acompanhe de volta. Ele chora, se agarra à rocha, diz que nada pode salvá-lo de uma morte horrenda exceto eu, o mensageiro. Afirmo que seu lugar é junto da família, no trono, guiando seus súditos. Ele retruca que se regressar está acabado, sente as forças se esvaírem com a aproximação de algo nefasto, fermentando desde a inexplicável morte da esposa, um perfume podre no ninho de cobras que se tornou o reino.
Faço minha majestade beber a água do frasco roxo e o arrumo sonolento sobre a sela. Ele só volta a abrir os olhos diante da filha. A reprimenda pela fuga é severa. O dever de um soberano não deve ser negligenciado. Resgatando do baú um pergaminho puído, ela apresenta à corte a lei esquecida que exige reparação. O carrasco abre o rei no meio e o coração cai no balde esterilizado. A rainha sorri para mim.
Acordarei nos seus braços. Jogarei sobre as costas o manto real, assentarei na cabeça a coroa e sairei. O cavalo relinchará; sabe que sou eu. Cavalgaremos, parando uma vez no riacho. Diante da pedra destamparei o balde e deixarei o coração escorrer para dentro da bocarra rochosa.
Ele se erguerá da terra revelando seu corpo, a recompensa nos dentes, e voltará para a morada da mestra no vale distante. Na manhã seguinte meu emissário levará o documento real, isentando-a de pagar todo e qualquer imposto até o fim dos seus dias.