Flash Fiction

__No médico__
- Aqui mãe, senta aqui.
- Brigada, filha. Bom dia, doutor.
- Bom dia. Então dona Bianca, infelizmente tenho más notícias pra senhora. É Alzheimer.
- Ah meu pai do céu.
- Calma, mãe.
- Não diz isso, doutor, não diz isso.
- É a verdade, infelizmente. A senhora está com Alzheimer. Vamos fazer um tratamento intensivo, com medicação e acompanhamento psiquiátrico. A senhora é cristã, por acaso?
- Sou sim.
- Então. O que a senhora pode fazer também é ler bastante a Bíblia e rezar. Ter muita fé, ter Jesus no coração, louvar a Deus.
- Me desculpa, doutor, mas como isso vai ajudar a minha mãe?
- Deixa ele falar, filha.
- Olha, ajudar com certeza vai. Depende do tamanho do esforço, claro. A senhora Bianca entende, como uma cristã, que a dedicação diz muito dos resultados.
- Doutor, vai me desculpar, mas se isso fosse curar minha mãe ela não tinha nem contraído a doença. Ela já reza bastante, lê a Bíblia, vai à missa. O que vai mudar agora?
- Ela já faz tudo isso, mas faz com a frequência necessária? Com o sacrifício necessário, com a fé no coração?
- Filha, deixa ele falar. Ele é doutor, estudou pra isso.
- Pra isso ele não estudou não, mãe. Doutor, vamos ficar só no tradicional, tá bom?
- Como preferirem. Aqui a receita. A senhora pode começar a tomar esse remédio duas vezes por dia. E vou lhe encaminhar pra uma psiquiatra conhecida que trata muitos casos de Alzheimer. Ela vai cuidar bem da senhora.
- Igual Jesus, né? Vem mãe, vamos embora.
- Calma filha. Tchau doutor, brigada.

__Cinco farmácias depois__
- Meu Deus! Esse remédio que ele te receitou não existe mãe, pararam de fabricar pelo jeito.
- Deixa filha, depois a gente procura.
- Aquele safado. Vou denunciar ele pro Conselho de Medicina. Onde já se viu isso, um profissional formado falando que a cura é rezar?
- Para, filha. Ele não disse por mal.
- Ele não pode dizer aquilo, não importa se por mal ou por bem.
- Ah filha, vai. Para de encrencar. Pelo jeito tá faltando Jesus é no seu coração.
- Ah meu Deus, então devo tá com Alzheimer também!
- Não brinca com isso.
- Desculpa mãe. Vamos pra casa, depois a gente liga pra ver o remédio.

__Em casa__
- Achou o remédio, filha?
- Liguei em todas as farmácias. Nada. Vamos ter que marcar outra consulta pra senhora. Aí o médico receita outra coisa. Mas vai ser outro médico, tá? Aquele não dá não. E olha que o salafrário é conhecido.
- Eu gostava dele. Era só ignorar o negócio religioso, se você não gostava.
- Não, a senhora vai se tratar com gente competente. Vou procurar na internet um médico bom aqui na cidade pro seu caso.
- E o que vou fazer enquanto isso? Marca com a psiquiatra que ele falou, pelo menos.
- Não, olha quem que indicou. É capaz de dizer pra senhora só beber água benta.
- Ave Maria, filha. Calma. Quem tá doente sou eu.
- É por isso que eu tô brava, mãe.