Ladrão

Rosvaldo agarra a mão, uma velocidade não condizente com a pele manchada e solta do seu braço. Aperta. O menino guincha. Eu senti, moleque. Eu senti essa mãozinha indecisa de merda tateando o bolso. Posso quebrar teus dedos. Te largar na frente dum puliça. Te encher de porrada.

Túlio recolhe a mão espremida. Por Deus, tio. Eu mal toquei a calça. Só um ladrão escolado ia sentir isso. Guri, esqueceu o que eu te falei? Tapa na orelha. Pra você toda vítima é um ladrão escolado. Deu branco? Esquece que existe turista despreocupado e bêbado no mundo ou vão te enquadrar mais cedo que tarde. Sorte não entra na conta. De novo.

Túlio faz pinça com os dedos, agarra a ponta da carteira no bolso traseiro da calça e puxa. Quando Rosvaldo vira ele anda despreocupado, mãos vazias. Boa, guri. Essa foi boa. Mas falta treino. Amanhã quero dez seguidas, sem erro. Agora vai lá no fundo e pega uma cerveja. Rosvaldo manca até o outro lado do casebre e senta num pufe rasgado. Liga a TV no controle. Jornal Nacional, imagem chiada. Túlio entrega a latinha. Mexe ali, tá ruim. O menino ajeita o bombril nas pontas da antena, esgarça mais o V.

Presta atenção, guri. Tem que se manter informado. Precisa saber conversar, enrolar. E pra isso precisa ter assunto. Rosvaldo, quando é que volto pra rua? Fica com pressa não, guri. Falta coisa pra caralho ainda. Bater carteira não é nada. O principal a gente nem viu. Aquele bando de bostinha lá com quem cê andava. Era só bater o olho pra ver que eram uns arruaceirozinhos. Por isso a polícia arranca o couro sem flagrante nem nada. E o povo bate palma se assistir. Cê que veio pedir. Eu aceitei por causa do teu velho. Mas cê só volta pra rua quando todo mundo que bater o olho disser que não é ladrãozinho porra nenhuma. É estudante. É filho de alguém. É guri novo, trabalhador, esperando no ponto.

Tu vai parar, Rosvaldo? Disse pro Mendonça que ia aposentar, num é? Êta, guri curioso. Isso é bom. Não é que eu quero, eu preciso. Não tenho mais força. Se vacilar e levar um cacete bem dado paro no hospital e de lá não saio. Tu vai ver, se viver tanto tempo nisso, que depois de velho é mais fácil pedir que roubar. Cabelo branco mais ruga é crachá de dó. Cê tá falando que quer voltar. Me diz o que vai fazer com a grana.

Gastar, uai. Comer. E o que sobrar? Gastar no outro dia. Tapa na orelha. Moleque burro. Cê não é indigente. Precisa arranjar lugar pra dormir, se esconder quando tiver mal das pernas, quando chover, fizer frio, adoecer. E sozinho, tá entendendo? Nada de trazer essa molecada de merda pro teu barraco. Lá é pra fechar o olho e dormir, não ficar esperando puliça ou qualquer outro filho de puta te atazanar. Ladrão não é mendigo. Aqui, moleque. Toma essa cerveja. Não gosto. Foda-se que cê não gosta, tô mandando tomar um gole. Tá vendo? É amarga mesmo, é ruim, e mesmo assim a gente aprende a gostar. Entendeu? Falta muito ainda.