Lendo Cortázar no bar
Ele vai. Chegando. Perto.
- Liga o cubo aí, Beto. Deixa tudo pronto pra quando a Raquel chegar.
Ele senta. Pede. Uma cerveja.
- Ligou? Essa régua tá tão atolada de coisa que não sei se vai aguentar.
Ele vira. Pra mim. Olha. O meu. Livro. Meu. Dedo. Marcando. A página. A capa. Pra cima.
- Beleza, ligou. Pega as baquetas aí. Vamos fazer uma canjinha enquanto a Raquel não chega. Belê? So What.
Ele. Pergunta. Se tô. Gostando.
- Um, dois, um, dois, três, quatro.
Do livro que tô lendo, ele diz que já leu muito Cortázar e é muita coincidência que eu esteja aqui com a versão capa dura de O Perseguidor, um conto baseado no Charlie Parker, ou Bird, e bem na hora que ele percebe isso começa a tocar uma música do Miles Davis, e ele pergunta se quero mais uma cerva e pede uma antes deu responder, digo que tô adorando Cortázar, tô tentando ler os sul-americanos agora, ele fica bem empolgado e pergunta também se tô.
- Oi, Raquel. Sobe aí, tá tudo pronto. O microfone, a água, tudo. E sua mãe, melhorou?
Ligada. No Borges. No Sábato. No Bolaño. No Vargas. Llosa. No García. Márquez. Digo que. Já ouvi. Falar. Nunca.
- Tá bom, pessoal, brigada. Ela tá melhor sim. Vamos abrir com Nina Simone. Um, dois, um, dois, três, quatro.
Li, sempre quis ler, ouço falar deles em tudo que é lugar e ele diz que são mesmo sensacionais, bem melhores que muita coisa do inglês que saturam as livrarias, ele tem tudo, passou por essa época latina e na verdade nunca saiu, e diz que pode me emprestar se eu quiser, tá tudo em casa parado, eu digo que pode ser mesmo uma boa ideia, esse do Cortázar me dá água na boca, a garçonete traz a cerveja, ele pergunta se não quero ficar ali na frente do palco agora que a cantora chegou e o show começou finalmente, e eu queria ficar aqui lendo o meu livro sossegada mas não dá pra negar que ele é interessante, e levanto pra assistir o show com ele, coloco o livro na bolsa sem marcar a página que tava suada no meu dedo colado e depois que a banda mandou várias seguidas e para prum intervalo.
- Só uns minutinhos pra gente molhar o bico, ok, pessoal? Já voltamos.
Saímos. Pra pegar. Um dos. Livros. Na casa. Dele. Que é. Aqui perto.