Liderança [#223]
Quando Guaraná morreu seu império morreu também.
Começou pequeno como todo mundo. Na infância foi observador, de poucos amigos, em leitura constante do mundo. Analista de diálogos, da fala, da entonação, das fórmulas interativas. Absorvia os professores, não escrevia nada.
Sua ideia era produzir, agregar, construir. O papel de porta-voz foi estabelecido aos poucos. Gostavam de ouvi-lo, de saber sua opinião, e ele mandava e desmandava com naturalidade. A ideologia cresceu, ideias vestidas num discurso atraente. Por onde andava amealhava seguidores, mentalidades semelhantes que ainda não haviam alcançado uma forma exata de expressão e viam ali respaldo para seus anseios.
Guaraná arquitetou uma célula e se estabeleceu como o núcleo sobre o qual tudo gravitava. Os mais próximos e confidentes emprestavam impressões de poder que os permitia atuar sobre os menos próximos. A palavra motivava. O capital humano foi preparado, treinado e colocado em prática. Eventos grandiosos se tornaram realidade, pequenas formigas trabalhando em conjunto. O furor espalhou-se, Guaraná sempre à frente, catequizando, mostrando, ensinando.
O poder veio acompanhado dos abusos de sempre. Mas não havia discordância e inimigos que Guaraná não vencesse no diálogo. A fala bonita intoxicava e convidava a aproximação. Castelos burocráticos foram erguidos e uma longa estrada pavimentada no caminho dos sonhadores, que deviam batalhar duro para se acercar da sala do trono. O discurso se encontrava a tal ponto enraizado que não havia necessidade de divulgá-lo pessoalmente; tentáculos bem nutridos se encarregavam de fazê-lo. A ideia estava tão magnetizada que parecia dispensar a existência do próprio Guaraná.
E foi o que aconteceu. AVC, sem mais nem menos. A estrutura enfraqueceu sem a guia apaixonada do mentor. Asseclas esmoreceram, mesmo cientes da missão. Castelos ruíram, organizações paralelas perderam a força e logo o núcleo duro se viu sem opção a não ser desistir e retornar à vida de antes. Os ensinamentos de Guaraná foram assimilados, mas o discurso, mesmo ecoando em individualidades, nunca teria a força do conjunto que reuniu em vida.
A célula implodiu. O agrupamento só era possível com seu comando ativo e desconcertante. Sem ele, os tijolos não formavam casa. Mas um novo Guaraná era esperado, cedo ou tarde. Eles sempre vinham.