Mancha

- Pois bem – disse Bruno, acendendo a luz. – Vocês estão bem? Posso oferecer algo, um Toddynho, uma Passatempo?

Do outro lado do quarto, sentados na cama do filho, os pais se entreolharam. A mãe coçou a testa. – Acabamos de tomar café, Bruno, você sabe.

- Pois bem – o garoto arrumou a gravata do pai no pescoço e subiu no banquinho. Apontou o retrato de um homem com um baita bigodão, roupas antigas, um rosto sério. Era um recorte da Superinteressante do mês passado, algum almirante da época de Napoleão. – Este aqui foi o imperador Rubisteu III, da Bulgária. Ele imperou a Bulgária no fim dos anos 1.700, e foi muito amado por seu povo porque era gente fina e dava comida pra todos. Um dia ele acordou com uma mancha vermelha na perna. Ele mostrou à sua esposa mas ela disse que não era nada e foi passar maquiagem. Depois de poucas horas o imperador teve fortes dores de cabeça e soltou muitos puns.

- Onde você ouviu isso, Bruno? – a mãe levantou, olhando o relógio.

- O imperador chamou seus médicos e eles o analisaram com palitos de picolé e luvas de balão e descobriram uma doença gravíssima. A mancha na pele ficou preta e aumentou, e eles disseram que era muito tarde pra fazer qualquer coisa, e que se ele tivesse procurado por eles de manhã e ficado de repouso, teria sobrevivido. Mas morreu logo depois, com muita dor e sofrimento e choro e sangue e música chata e padre e café e pão de queijo.

O garoto ficou quieto, concentrado na mais grave expressão que conseguiu arquitetar.

- Acabou? – o pai levantou também.

- Ainda não – Bruno desceu do banco, parou na frente dos dois e levantou o short. Na coxa esquerda do menino viram uma mancha vermelha. Ele fez uma careta, como se levantar o short tivesse doído.

- Bruno – a mãe disse, mãos na cintura. – O uniforme. Agora. Você vai pra escola.

- Mas mãe–

- Sem “mas mãe”. O que é aquilo ali?

Bruno seguiu o dedo da mãe até o topo da escrivaninha, onde repousava a canetinha vermelha destampada.

- Droga.