Matemática da perda [#225]

Soraia perdia tudo toda hora.

Bola na escola. Pulseira na sorveteria. Carteira no cinema. Xuxinha no táxi. Cartão na banca de revista. Calça na lavanderia. Isqueiro na casa do ficante. Caderno na sala da faculdade. Chave na lanchonete. Celular na mesa do bar.

O pai num acidente de carro. A mãe com câncer no fígado. O tio-avô afogado no rio. O grande amor da sua vida num final de semana em Chapada dos Guimarães, regado a vinho e verdades doídas. O marido num acesso de raiva em que bateu na filha. A filha no dia em que conheceu o namorado. O filho quando comprou um Playstation.

A dignidade quando encheu a cara e acordou rodeada por meia dúzia de estranhos. A auto-estima quando perguntaram se estava grávida. A calma quando foi cortada no trânsito. A dor quando foi operada. A fome quando viu uma matéria sobre a inanição africana. O orgulho quando reprovaram sua tese. O tesão quando viu uma tatuagem na virilha do cara. O dinheiro quando foi despedida. A tristeza quando foi contratada. A alegria quando viu as rugas no espelho.

A vontade quando a velhice chegou. A paciência quando o neto passou as férias na sua casa. A cabeça quando a filha disse que tinha leucemia. O amor quando o segundo marido foi enterrado. O coração quando a casa foi vendida. A razão quando misturaram os remédios no asilo.

Soraia perdia tudo toda hora.

Começou a contabilizar os ganhos tarde demais. Perdeu o que faltava perder.