Novo conto na área! – Emet
O Flash Fiction volta à ativa essa semana, depois de um longo e tenebroso inverno (na verdade um janeiro bem chuvoso na beira do Rio Cuiabá, à base de peixe frito e caldo de cana, cortesia do patrão Santiago Santos para os duendes que tão laboriosamente se esforçam para deixar nos trinques os drops que você recebe semanalmente no e-mail).
No nosso retorno à fábrica, fomos gentilmente impelidos a avisar que enquanto descansávamos ele não se rendeu aos apelos do ócio e publicou um conto inédito na Trasgo #09, a revista mais porreta de literatura fantástica nacional. O nome do conto, um legítimo e pedregoso exemplar da ficção weird, se chama “Emet”.
A Trasgo é uma publicação eletrônica distribuída, a partir desta edição, gratuitamente. É só baixá-la no link no final do e-mail nos formatos epub, mobi ou pdf, e ler no seu PC, celular ou tablet. No site há instruções de como fazer isso (se você ainda não tiver as manhas). São no total 6 contos inéditos de autores nacionais.
O patrão também pediu pra deixarmos aqui o início do conto, na crença de que molhar o bico da criança com um pouquinho de mel vai atiçar, de uma forma não contraditatoriamente imprópria e de forma alguma nebulosa ou ilegal, a boquinha dos leitores costumeiros do Flash Fiction.
Emet
Santiago Santos
…Abrabrabratôindo…
…abrabrabrabrajátôindo…
…abrabrabrabramasqueporrajádissequetô…
…abrabrabrabrabra.
A porta me abraça e me cospe pra dentro. Demoro uns bons segundos pra descolar a cara do chão. Aliso a circunferência do rosto. Sempre fico com medo de um trincado ou outro arruinar essa coisinha tchutchuca e gotosa, como minha mãe dizia. Me recomponho e sento no balcão.
— O que vai ser?
— Cardápio?
Ele joga uma tabuleta burilada e corro os olhos pro final.
BEBIDAS
. água de termais 48°C
. água com toques de madrepérola
. vitamina de lodo com algas marinhas
. cachaça de gramíneas
. cerveja outonal
— O que tem nessa cerveja outonal?
— Folhas, galhos de eucalipto, raízes cítricas, restos triturados de insetos— — Que insetos?
— Besouros, formigas e grilos. Mais água de chuva fresca, grama e terra roxa.
— Parece bom.
— É uma delícia. Prata da casa.
— Tá, vê uma.
— Tá em falta, meu chapa.
Peço água quente pra amansar as juntas. Antes fossem só golens por aqui. Somos ríspidos e sérios mas nos entendemos. Não que a gente não se misture com elementais da terra e híbridos animalescos, só não costuma dar muito certo.
Mesmo assim, um elemental sentado sozinho numa mesa nos fundos acena pra mim. Olho ao redor mas sou o único na direção que ele olha. Ando até lá.
— Sim?
— Por que… demorou tanto? — Ele diz, ou melhor, continua dizendo, mais um pouquinho, pronto. A velocidade da fala dos elementais da terra é notória. Seus concílios duram estações inteiras. Suas discussões mais triviais, dias. Há um esforço, apreciado por todas as outras espécies, de acelerar o que dizem e fazem quando estão perto de nós. Caso contrário a convivência seria impossível. Ainda assim, puxar papo com um deles só é aconselhável se você tiver descansado e com cafeína por perto.
— Desculpa, eu te conheço?
— Agora conhece… Por favor se sente… Bo.
Baixe aqui a edição 09 da Trasgo:
trasgo.com.br
Trasgo #09. Editada por Rodrigo van Kampen. Arte da capa por Cecihoney.