O fim está próximo [#110]

Uma semana. Jornais anunciam, especialistas afirmam. Religiosos de todos os cantos do mundo se juntam em rezas desesperadas, contando as palavras que oferecem como moedas na compra das passagens para o reino dos céus. Nada na TV, a não ser pequenas notas dos Grupos de Afeto. São pessoas que se encontram diariamente para se abraçar, beijar e dizer o quanto se amam. A maioria não se conhece. Mas nesse desespero que assola tudo pouco importa. Quanto mais você amar e for amado, parece, mais fácil é encarar o fim.

Há o outro lado, também. Os que entenderam a notícia como a última chance de dar vazão aos desejos mais primitivos. Saem pelas ruas vandalizando, tomando e matando o que conseguem antes de serem reprimidos pelos poucos que encarnam os heróis que sempre idealizaram, ajudando os indefesos. Alguns ignoram a comoção, confiantes de que se trata de outra previsão infundada, como as que surgem de tempos em tempos. Outros viajam para ver os parentes e amigos que deixaram em lugares distantes, ou pelo menos tentam, já que os meios de transporte se encontram superlotados ou inativos. Poucos tentam remediar o fato apelando para medidas extremas, como invadir instalações militares exigindo lugar no próximo ônibus espacial, ou construir abrigos subterrâneos abençoados e benzidos.

Nossas verdadeiras prioridades se mostram nesses tempos difíceis, descartados os luxos da tranquilidade. Alguns dos meus amigos cometeram suicídio; foi o caminho mais fácil, e chego a sentir inveja desse desprendimento. Tentei uma abordagem diferente. Peguei todos os livros espalhados pela casa que não tive tempo de ler, corri para a livraria mais próxima e peguei os que não tive dinheiro para comprar, estoquei-os no porão junto com mantimentos, água e remédios e me tranquei, longe de tudo e de todos. Estou há dias aqui, sem tomar banho, devorando páginas de universos fantásticos e distantes, aprendendo a história de heróis e vilões, ordens e facções secretas, naves espaciais, palavras mágicas, planícies infinitas e monstros abissais. Mergulho em novos planetas, novas formas de governo, lições de moral, amizade e amor, personagens tão vívidos e verossímeis que sinto conhecê-los há anos, e não sinto falta do que acontece lá fora.

Tenho cada vez menos vontade de dormir, como se pudesse ler sem pausas. Os olhos reclamam. Mas forço, sei que logo chegará a hora. Até lá, para fugir da cruel realidade, me refugio em mundos imaginários, e se algo não me agrada, como um fim iminente em que ninguém pode fazer nada exceto esperar, simplesmente fecho um livro e abro outro.