O labirinto cíclico [#146]
[...]
- Circular?
- Isso.
- Por quê?
- É um formato, um modo, um vírus, um biosoftware que nos infectou assim que cruzamos os portões.
- Você sabia e mesmo assim nos trouxe aqui?
- Eu não sabia até entrarmos. Só reconheci a estátua na ante-sala, os hieróglifos de uma versão do mito de Cronos nas paredes, o chão de ladrilhos triangulares, fatias encaixadas.
- E agora? Como saímos?
- É um labirinto infinito. Invencível. O vírus apaga ciclicamente nossas memórias, nos transportando de volta ao início, ao momento que entramos. Estamos acabados.
- Deve haver um jeito. Ele é circular, certo? E se chegarmos no centro e começarmos de lá?
- A combinação de caminhos beira o incalculável. Seria necessário um notório trabalho de memorização para alcançar o coração do templo. E é justamente disso que os apóstolos esquecidos nos privaram.
- Não conseguimos chegar no centro antes que as memórias sejam apagadas?
- É mais fácil sentar e esperar a morte.
- Não. Isso não é opção. Ainda tem aquele bloco de notas na mochila? Podemos escrever instruções a nós mesmos. Um guia.
- Tenho. Aqui. Você acha–
- Está vendo? Olhe! Cheio de anotações, da capa à contra-capa. O guia que eu queria, pronto. Sua letra e a minha. Já tivemos essa ideia antes. Maldição! Há quanto tempo estamos aqui?
- Há mais tempo que imaginamos, pelo jeito. O bloco é inútil.
- Estou lendo! Deve haver alguma resposta. Em alguma página, algum canto. Precisamos nos encontrar.
- Guarde isso, jogue fora, tanto faz. Não adianta. Somos reféns da diversão de um deus zombeteiro. Um deus zombeteiro e seu cárcere circular.
- Circular?
- Isso.
- Por quê?
- É um formato, um modo, um vírus, um biosoftware que nos infectou assim que cruzamos os portões.
- Você sabia e mesmo assim nos trouxe aqui?
- Eu não sabia até entrarmos.
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